Democratizar o poder de decisão PDF Imprimir e-mail
27-Abr-2009
ParticipaçãoUm dos propósitos e resultados da ofensiva neoliberal e neoconservadora foi, e continua a ser, a restrição da Democracia. Eles sabem que só assim podem realizar o seu objectivo de concentrar tanto Poder - político, económico e social - nas suas mãos quanto possível. Para além da diminuição do âmbito de aplicação do princípio democrático, nas empresas, nas escolas e universidades, temos assistido à crescente captura dos partidos ditos de governo pelo Poder sócio-económico.
Contributo de Pedro Viana, Professor Universitário

Tal tem resultado na aplicação sistemática de medidas que são prejudiciais ao nosso bem-estar colectivo, e que seriam rejeitadas se alguma vez fossem postas à discussão pública. Mesmo que tais medidas constem do programa eleitoral dum partido no governo, o que frequentemente não acontece, a sua legitimidade democrática é dúbia, pois nunca foram alvo particular de decisão colectiva. Abundam exemplos de matérias onde há uma clara discrepância entre o que uma grande maioria dos cidadãos desejaria, em Portugal e na Europa, por exemplo a restrição dos movimentos financeiros especulativos ou a proibição do cultivo e importação de organismos geneticamente modificados, e o que tem sido implementado. A mesma situação ocorre a nível regional e local. O resultado é uma descrença crescente na democraticidade do sistema político, e, ainda mais grave, na necessidade de Democracia para construir um futuro melhor.

É assim urgente re-distribuir o Poder! O poder de decidir sobre o que nos afecta directamente. O Bloco de Esquerda tem sido até agora o único partido que tem mostrado interesse um promover uma das ferramentas de decisão colectiva: o orçamento participativo. É uma ferramenta importante, mas não é suficiente, principalmente se as escolhas dos participantes não forem vinculativas. Proponho ir mais além. Sugiro que o Bloco de Esquerda proponha a utilização de júris ou painéis de cidadãos, escolhidos aleatoriamente e preferencialmente com poder de decisão final, para decidir sobre matérias com impacto local ou nacional. Uma possibilidade é, numa primeira fase, associar júris de cidadãos a todas as consultas públicas obrigatórias. Os júris seriam responsáveis pela elaboração dum relatório final que resumisse todas as contribuições do público, e que faria recomendações quanto ao assunto em discussão, com base quer nessas contribuições quer na opinião de especialistas que teria o poder de convocar. A defesa do bem-comum não pode ser deixada exclusivamente nas mãos de eleitos, facilmente manipulados pelo Poder sócio-económico, ou especialistas, frequentemente formatados pelo paradigma dominante.  

Poderia pensar-se que o referendo seria uma alternativa aos júris de cidadãos. Mas o seu uso é espartilhado a nível nacional pela necessidade de apoio parlamentar maioritário, e a nível local pela limitações impostas ao tipo de matérias passíveis de serem referendadas. Em qualquer caso, a informação que chega aos cidadãos durante uma campanha referendária raramente é esclarecedora, e frequentemente a amostra final de votantes carece de representatividade relativamente ao conjunto dos cidadãos com poder  de voto. Nenhum destes problemas afecta os júris de cidadãos, desde que escolhidos de modo representativo, e desde que possam colocar questões aos defensores dos pontos de vista em confronto. Júris de cidadãos têm sido utilizados em países como o Canadá, Estados Unidos da America, Holanda, Alemanha ou o Reino Unido, bem como pela União Europeia sob a forma de painéis europeus de cidadãos.

É urgente implementar mecanismos que não sejam facilmente revogáveis quando o governo muda de orientação ideológica, e que se afirmem como obstáculos permanentes à concentração do Poder nas mãos de poucos em detrimento do bem-comum! 

Pedro Viana, professor universitário, residente no Porto

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