Políticas de igualdade para os serviços públicos PDF Imprimir e-mail
04-Mar-2009
João Bau

João Bau

Uma nova política para o nosso País deve assumir que os serviços relativos à produção de bens públicos e os serviços de rede funcionando em regime de monopólio natural devem ser propriedade pública e ter gestão pública, sendo esta orientação política de assunção estatal da orientação e controlo das actividades referidas uma resposta necessária para fazer face à gravidade da crise que vivemos.

Esta opção pela gestão pública de serviços não é feita no desconhecimento das disfunções das actividades e serviços prestados na prática por tantas autoridades públicas, nem das críticas feitas às autoridades públicas pelos defensores do neoliberalismo. O nosso País não está porém condenado a escolher entre a gestão privada de serviços públicos subordinada ao objectivo da "criação de valor para o accionista" e uma gestão pública burocratizada, ineficiente, por vezes corrupta e distante dos cidadãos e das suas necessidades e aspirações. Pelo contrário, defende-se a necessidade de redefinir e relegitimar politicamente a acção pública.

Apresentam-se, em seguida, alguns dos vectores fundamentais do que deve ser um serviço público que responda às necessidades dos nossos tempos. De qual a cultura que deve enformar a entidade prestadora do serviço, de quais os valores, as crenças, as práticas que o devem caracterizar, e de quais as orientações estratégicas que deve prosseguir.

1) A universalidade da prestação do serviço público, concebido como sendo dirigido a todos e cada um dos cidadãos. Tais serviços não podem ser concebidos como devendo dirigir a sua actividade primordialmente para os economicamente mais desfavorecidos, uma vez que os cidadãos com mais posses teriam à sua disposição prestadores de serviços privados supostos de maior qualidade, nem marginalizar as populações mais pobres ou as que exigem investimentos com taxas de retorno mais reduzidas.

2) A prestação de um serviço de qualidade aos utentes, que contemple não apenas a qualidade dos produtos fornecidos mas também aspectos de ordem social, económica e ambiental. Prestação de serviço essa que se tem de processar em condições de máxima eficiência económica, o que implica nomeadamente a maximização da eficiência de utilização dos seus factores produtivos.

3) A consideração das entidades prestadores dos serviços como instrumentos de política de desenvolvimento regional e local e de coesão territorial. O que implica, nomeadamente, a necessidade de uma concertação ao longo do tempo das suas próprias estratégias de desenvolvimento com as estratégias de desenvolvimento global a nível regional e municipal, e a necessidade de um contacto estreito e de um trabalho conjunto com os responsáveis políticos a esses níveis.

4) A consideração dos prestadores dos serviços como instrumentos de uma política de sustentabilidade ambiental e de gestão da procura de recursos escassos. Esta óptica ambiental assume especial relevância nos domínios da água e saneamento, da energia e da mobilidade e transportes.

5) A tomada em consideração do longo prazo, nomeadamente a necessidade de investimentos pesados, em tantos casos irreversíveis e que não são imediatamente rentáveis, factores que a gestão feita na lógica dos mercados ignora.

6) Um dos valores centrais da cultura dos serviços públicos deve estar na sua política de relação e de comunicação com os cidadãos, com associações de interesses específicos nas suas actividades (como sejam associações e movimentos de utentes e de consumidores, de sectores de actividade, ambientalistas, de cariz local, etc.) e com os órgãos de comunicação social. Essa política de aproximação dos serviços aos cidadãos deve traduzir-se, nomeadamente, pela procura do contacto com os interessados para os ouvir na formulação das suas necessidades e críticas, por uma prática de transparência e de responsabilidade ("accountability"), de consideração atenta e de resposta rápida às suas sugestões, propostas ou reclamações. E pela prestação da informação (verídica e sistemática) sobre a vida da entidade prestadora dos serviços que seja necessária ao controlo social do funcionamento dos serviços por parte dos cidadãos.

7) A "cultura de serviço público" dos trabalhadores deve ser acarinhada, promovida e desenvolvida. O que não é compatível com políticas de despedimentos maciços, ou com a promoção de trabalho sem direitos. Os serviços públicos devem ter nesta matéria comportamentos modelares. O que exige que essa "cultura de serviço público" seja inequivocamente partilhada pelos seus gestores de topo.

8) A preocupação com o reforço da capacidade de gestão dos serviços públicos é um factor essencial para que seja assegurada a sustentabilidade dos serviços prestados. O que exige especial atenção, designadamente, à política de financiamento global, à política tarifária ou de fixação de preços, à política de capacitação tecnológica e à política de pessoal e formação. E a adopção de uma filosofia de melhoria continua (fazer hoje melhor que ontem e amanhã melhor que hoje).

9) A assunção de uma política de promoção dos interesses, capacidades e competências nacionais, quer no mercado nacional quer no mercado internacional. Em contraponto à política de verticalização praticada nos diversos sectores pelas multinacionais, que tem óbvio impacto no mercado interno dos países em que desenvolvem a sua actividade, mas é extremamente importante para a rentabilização do negócio.


UMA REGULAÇÃO PLURAL E PARTICIPADA

Se admitirmos que não é legítimo os poderes públicos renunciarem à função de regulação, transferindo-a para uma agência independente, e que as soluções de auto-regulação dos prestadores de serviços públicos têm os inconvenientes que facilmente se vislumbram, poder-se-ia pensar que restaria apenas uma solução, a da regulação estatal e burocrática. Mas isso equivaleria a prescindir da capacidade de intervenção e iniciativa dos cidadãos utentes ou consumidores, a esquecer a importância das autarquias locais, a eternizar a exclusividade da tutela financeira do Estado e teria a sua eficácia ameaçada pelo desequilíbrio estrutural de informação existente entre operador e regulador. A resposta a estes problemas é a passagem de uma regulação de peritos a uma regulação participada.

As autoridades públicas devem agir de forma a assegurar uma regulação responsável, por um lado estabelecendo para os serviços públicos regras do jogo claramente definidas e, por outro lado, promovendo a existência de contra-poderes e espaços de participação, externos e internos, nos prestadores de serviços públicos. Uma vez que a regulação deve assentar na satisfação das necessidades simultaneamente dos utentes/consumidores (empresas ou particulares), dos cidadãos e da colectividade, a regulação pública deve associar a cada nível territorial todos os actores interessados: não somente as autoridades públicas e os operadores, mas também os consumidores, os cidadãos, as autarquias locais e os eleitos, os trabalhadores e suas organizações (sindicatos e comissões de trabalhadores). Uns e outros dispõem de numerosas informações que faltam ao regulador e são portadores de aspirações e exigências que reflectem a diversidade das suas necessidades. Associar num processo de avaliação todos os actores interessados é um meio de reforçar a regulação pública dos serviços públicos. A transparência de uma regulação participada poderá constituir uma contribuição valiosa para a existência de um verdadeiro controlo social.

(Texto mais extenso disponível em pdf)

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