A Internet tem de ser para todos PDF Imprimir e-mail
13-Mar-2009

Luis LeiriaPortugal tem um enorme défice de acesso à Internet e de uso das TIC e, pior ainda, tem um enorme fosso entre os que possuem mais educação - e são "infoincluídos" - e a maioria da população, que é predominantemente infoexcluída.

Contributo de Luis Leiria

A avaliar pela euforia com que o primeiro-ministro José Sócrates fala da Sociedade de Informação e das tecnologias de informação e comunicação, um observador descuidado poderia achar que Portugal ombreia com os mais avançados países da Europa em matéria de acesso e utilização da Internet. Um primeiro-ministro que não se envergonha de parecer um vendedor de computadores portáteis (vide episódio sobre o Magalhães na cimeira ibero-americana), só pode ser de um país muito avançado em matéria de tecnologia. Nada mais falso, porém.

Segundo dados recolhidos pelo INE e pela UMIC, Portugal está apenas em 22º lugar entre os 27 países da União Europeia em número de utilizadores da Internet em 2008: 42% das pessoas entre os 16 e os 74 anos têm acesso à net, o que deixa Portugal só à frente de Itália, Chipre, Grécia, Bulgária e Roménia.

Se estes números já são embaraçosos, mais trágicos se tornam quando observamos o fosso que se abre se os separamos por níveis de educação. Assim, 91% dos portugueses de 16 a 74 anos com educação superior utilizam Internet (10º lugar na UE 27, e superior à média, que é de 89%); utilizam Internet 87% dos que têm educação secundária (5º lugar na UE 27, também superior à média, que é de 67%). Mas, quando chegamos aos portugueses que completaram o 9º ano ou menos, os dados invertem-se totalmente: apenas 26% das pessoas de 16 a 74 anos utilizam a Internet, o que coloca Portugal no 22º lugar da UE 27, abaixo da média europeia, que é de 40%, e só à frente de Itália, Bulgária, Roménia, Chipre e Grécia.1

Estes dados demonstram que Portugal tem um enorme défice de acesso à Internet e de uso das TIC e que, pior ainda, tem um enorme fosso entre os que possuem mais educação - e são "infoincluídos" - e a maioria da população, que é predominantemente infoexcluída.

Portáteis para todos?

A política de incentivo à infoinclusão do governo nada contribuiu para reduzir este fosso. As suas principais bandeiras foram a distribuição de portáteis a baixo custo com ligação à Internet, financiados por um Fundo para a Sociedade da Informação que foi constituído pelos operadores móveis enquanto contrapartida pelas licenças de UMTS recebidas em 2000.

O programa e-escolas já terá distribuído, segundo dados do governo, 700 mil portáteis a estudantes do 10º ano (o programa depois foi ampliado aos alunos do 11º e 12º anos e aos do 9º), a professores do secundário e a alunos de cursos de formação profissional. Todos os portáteis são vinculados a um contrato de 36 meses para acesso à banda larga móvel de uma das operadoras. Isto é: as operadoras participaram do Fundo com uma verba que eram obrigadas a entregar ao governo; mas ganharam em contrapartida centenas de milhares de novos clientes com pagamentos mensais que variam entre os 5 e os 35 euros. Para os beneficiários do programa, ele nem sempre significou um bom negócio, já que o portátil "barato" podia chegar a 1406,4 euros. O programa e-escolinhas já não obrigou a um vínculo contratual com operadoras de telemóvel.

Se os benefícios do e-escolas são duvidosos, uma coisa porém é certa: eles significaram um opção do governo justamente pelos portugueses de maior nível de ensino, pouco ou nada se prevendo para expandir o acesso público à Internet e para aplicar medidas dirigidas à formação e familiarização generalizada com as novas tecnologias. Para quem não seja aluno ou professor e tenha baixo rendimento, o acesso à Internet não é fácil. Projectos de disponibilizar a Net gratuitamente estancaram ou desapareceram. Mesmo em grandes cidades como Lisboa, o acesso à Internet não é barato e há pouquíssimos acessos públicos. No interior...

Sob a égide de Bill Gates

Com algumas honrosas excepções, o governo Sócrates "casou" com a Microsoft, gastando altíssimos recursos em licenças de software que poderiam ser evitadas, e colocando-se na contra-mão de outros países europeus que se preocupam com os custos, a durabilidade e a fiabilidade do software proprietário.

No mês de Fevereiro deste ano, a Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos pagou 9.986.800,00 de euros por conta de "Renovação do Licenciamento de Software - Microsoft", como se pode verificar no portal Transparência na AP. Quase simultaneamente, chegava a notícia de que a polícia francesa poupou 50 milhões de euros desde 2004 por ter-se recusado a pagar as licenças do windows vista e ter migrado cerca de 5000 computadores desktop para o sistema operativo Linux. O ritmo de migração (e de poupança) deverá prosseguir até abranger 15.000 desktops até 2015.

Enquanto isto acontece em França, em Portugal a aplicação para o acesso a uma das maiores plataformas de contratação electrónica por parte do governo condiciona a participação em concursos públicos aos utilizadores de sistemas Microsoft. A gravidade da situação originou uma exposição escrita à Comissão Europeia.

Mas no Reino Unido o governo aprovou um relatório que recomenda a utilização de software livre e de normas abertas e recomenda acção positiva para garantir que o software livre "seja completa e justamente considerado nas TI governamentais".

Propostas para a igualdade de acesso à Internet

No mundo actual, o acesso à Internet já se tornou num serviço público essencial, a exemplo do acesso à electricidade, à água, à informação por rádio ou televisão. O acesso à Internet deve ser, assim, tratado como um serviço público de acesso universal e o seu uso incentivado, de forma a reduzir progressivamente o fosso que separa aqueles que já têm pleno acesso à Sociedade de Informação e Conhecimento, e os que dela permanecem excluídos.

Um programa do Bloco de Esquerda para a igualdade deve incluir, assim:

- Criação de um serviço público de acesso à Internet gratuito ou de muito baixo custo, instituindo o acesso universal à Internet. Devem-se incentivar a criação de redes wifi a nível municipal, a exemplo do que está a ser feito actualmente em Berlim, ou da disponibilização de um serviço básico universal wireless (3G), com uma banda a definir (por exemplo, 512 kbits).

- Multiplicação dos postos de acesso público e gratuito à Internet, em todas as autarquias, bibliotecas públicas, lojas de cidadão, serviços públicos, e apoiando a criação destes acessos em sindicatos e associações.

- Multiplicação das acções de formação e familiarização com as TIC a todos os desempregados e a toda a população interessada, criando um programa de rede de formação que abranja todos os locais de acesso público à Internet.

Propostas para a igualdade de acesso ao software

- O Bloco de Esquerda apoia os princípios básicos do software livre, nomeadamente as suas quatro liberdades:

1ª - A liberdade de executar o software, para qualquer uso.

2ª - A liberdade de estudar o funcionamento de um programa e de adaptá-lo às suas necessidades.

3ª - A liberdade de redistribuir cópias.

4ª - A liberdade de melhorar o programa e de tornar as modificações públicas de modo que a comunidade inteira beneficie da melhoria.

- A Administração Pública deve-se libertar das políticas de dependência em relação ao software proprietário e à Microsoft, nomeadamente:

- Criando uma comissão para a avaliar as necessidades, os custos e as vantagens/desvantagens de migrar os actuais serviços para software livre;

- Todos os concursos de aquisição de software devem ser transparentes, guiando-se pelos critérios de custo, durabilidade e interoperabilidade do software a adquirir.

- Todas as licenças adquiridas devem prever a futura reutilização do software em outros serviços e sem custos adicionais.

  • A Administração Pública deve promover o uso de formatos universais para todos os seus documentos internos e no relacionamento com o público, adoptando o formato Open Document Format (ISO/IEC 26300:2006) assim como PDF (ISO 19005-1:2005).

Nota: este texto é apenas um pontapé de saída, abordando apenas dois aspectos de uma política dirigida à Sociedade de Informação. Muitos outros ficaram de fora (patentes de software, direitos de autor, peer-to-peer, etc.) que poderão e deverão ser discutidos em futuros contributos e noo decorrer do debate.

1 A UMIC afirma no seu relatório "A Sociedade de Informação 2008" que Portugal está em 19º lugar, mas põe atrás de Portugal a Bélgica, a Hungria e a Irlanda, por ainda não terem dados disponíveis; no ano anterior, porém, estes países estavam bem acima de Portugal.

 
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