A Internet como um terreno de luta PDF Imprimir e-mail
16-Mar-2009
Acesso à Net como bem básico,  gratuito ou com preço muito baixo,  é fulcralO texto do Luís Leiria dá um bom pontapé de partida para a discussão sobre a Internet. As propostas aí inseridas, nomeadamente a de considerar o acesso à Net como bem básico, gratuito ou com preço muito baixo, é fulcral.
Contributo de Paula Sequeiros

Gostaria, como complemento a essas ideias, de alinhar o meu contributo para esta nossa discussão em torno de duas noções erradas que assomam de forma relativamente comum em discussões deste tipo e dois outros tópicos a carecer de defesa.

A Internet desincentiva à leitura

Como facilmente se observará, contra certo tipo de ideia feita, a Internet tem uma cultura construída com base no texto. Por isso, tudo quanto se pode invocar sobre a importância de combater a iliteracia se reforça neste outro terreno: aqui também se requerem boas capacidades de leitura e de escrita, aqui também se requer capacidade de o fazer de forma crítica.

Não diferentemente do que se passa com outros meios, saber identificar e validar as fontes de informação, saber avaliar conteúdos, são capacidades que exigem treino. Não se trata apenas de saber dar a devida importância aos boatos (hoaxes) que correm na rede. Há cada vez mais informação de origem comercial na Net, muitas vezes publicidade escondida com o rabo (pouco) de fora. Saber fazer como o Casimiro, o tal da canção, o que tinha um olho no meio da testa, é fundamental porque é preciso ter cuidado com as imitações...

Acresce que muitos dos que habitualmente recorrem à Net também utilizam outras frontes de informação tradicionais. Nenhuma lei de Gresham aqui, portanto - os «maus» meios não expulsam os bons.

Nos Estados Unidos as pessoas mais novas já lêem mais notícias na Net do que em papel, o que está a levar os meios de comunicação social a refazer as suas políticas de comerciais e de distribuição. A viragem já começou.

A Internet é terreno de liberdade

Todos os estudos recentes sobre a sociologia da Internet o demonstram: para esta «nova fronteira electrónica» foram trazidas as velhas bagagens[1]: desde os conflitos de género, até aos étnicos e de classe, o mundo virtual foi povoado pelos mesmos problemas do mundo real, é pelo menos tão humano - para bem e para mal - como aquele onde assentemos os pés.

Também aqui portanto temos um vasto território a necessitar de luta política: a Rede é campo de activismo político crescente, este espaço é um bom exemplo disso mesmo.

Um caso particular destas lutas tem a ver com a censura na Internet. O conservadorismo tem estado atento aos desenvolvimentos na Net. Recordam-se daquele texto em que um representante do Vaticano mostrava preocupação por os jovens passarem muito tempo a ler jornais e revistas e a navegar na Net? Essa foi uma das suas manifestações - curiosamente as fontes de informação tradicionais também estavam incluídas, prova de que esse ideólogo tinha uma noção sobre a forma como habitualmente estão associadas.

Outro caso, muito pernicioso na situação portuguesa, é o da instalação de filtros em bibliotecas públicas e universitárias. Seja por influência de formações conservadoras (associando deforma simplista a difusão de vírus a Sítios de pornografia), seja por algum comodismo, vários técnicos de informática optam, por iniciativa própria ou por ordem dos seus superiores, por instalar filtros no acesso à Net. Estes são programas «estúpidos» que procuram palavras em páginas Web, independentemente do contexto; se essas palavras proscritas (sexo, aborto, gay, lésbica, por exº) aí constarem, a página ou todo o Sítio ficam bloqueados. Chega-se ao cúmulo de, segundo relato na primeira pessoa, um investigador de sociologia ter precisado de autorização especial do reitor da sua universidade para poder fazer investigação na Internet sobre o movimento «queer». Como é de imaginar a par de possível pornografia ficam igualmente não acessíveis Sítios, por exemplo, sobre contracepção e educação sexual. Mas o que é mais alarmante é que, ao invés do que sucede por exemplo nos EUA, donde esses programas vêm, muitas vezes associados a programas de controlo e temporização de acesso à Net através de cartão de utilizador, os utilizadores finais não recebem qualquer aviso de que estão a ser impedidos de aceder a certos Sítios. E acrescente-se ainda que em países onde o acesso em bibliotecas não está filtrado o acesso a páginas de pornografia é ínfimo, segundo investigações feitas.

Este é também um combate da esquerda: a liberdade de acesso à informação é uma preocupação a não esquecer, a par da produção de conteúdos que combatam os preconceitos de género, étnicos, etc., e que promovam a defesa de mundos melhores, dentro e fora do ecrã.

 Depois de dois mitos, duas questões, por fim, a necessitar de reflexão alargada:

Protecção da privacidade de dados e práticas

A crescente apropriação da Internet por parte das empresas, criada inicialmente em meio universitário - e não filha das investigações militares, como afirma certa versão da «história» - levanta agora vários problemas relacionados com a privacidade de dados e do rastreamento de práticas online.

O tráfico de dados pessoais, apesar de proibido em muitos países, prolifera e dá avultados lucros. O mesmo se pode dizer das tentativas de detecção dos hábitos e práticas - sobretudo em torno das compras e dos serviços online.

Fazer cumprir essas legislações e alertar os e as internautas para procedimentos de protecção da sua privacidade é por isso importante.

Acesso Aberto à investigação

Outra tendência a acompanhar e a incentivar é do movimento do chamado Acesso Aberto ao conhecimento. Segundo os seus defensores, a investigação financiada publicamente deve ter resultados divulgados de forma aberta e gratuita. Com os repositórios de acesso aberto se pretende precisamente registar, preservar e disseminar os resultados de investigação e combater os grandes grupos editorais internacionais que, após o outsourcing desses serviços que algumas universidades fizeram a entidades privadas, deram como resultado que os artigos produzidos sem retribuição - extra, digamos - pelos investigadores passassem a ter de ser comprados a preços exorbitantes por quem os quisesse ler às revistas científicas assim editadas, nem que pertencessem precisamente às instituições que os haviam produzido.

Este movimento, que tem já realizações muito interessantes em algumas universidades públicas portuguesas, veio contrariar esses efeitos perversos e colocar em acesso público e gratuito aquilo que é produzido com dinheiros públicos. Conta no entanto com um trabalho de sapa constante de desgaste e verdadeira difamação - ao pôr em causa a seriedade dessas publicações - por parte dos que estão a perder os seus lucros indevidos.

Uma política de investigação consequente deve inscrever este tópico nas suas prioridades.

Todo um terreno de luta em que investir portanto. Porque nada do que é humano nos deve ser alheio.


[1] referência ao texto de Susan Herring - Gender differences in Computer Mediated Communication: bringing familiar baggage to the new frontier.  <http://www.cpsr.org/prevsite/cpsr/gender/herring.txt>.

Paula Sequeiros é editora para Portugal da E-LIS, Open Access Repository on Library and Information Sciences

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