O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa PDF Imprimir e-mail
18-Mar-2009
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O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa
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CAPÍTULO III

Refundação das metodologias do Ensino em Saúde, Refundação das metodologias de tratamento da Doença, e Adaptação dos Sistemas de Saúde Pública às realidades sociais.



Introdução

Iniciaremos este Capítulo com um trabalho publicado no Brasil e que reflecte a realidade a que queremos chegar.

A respeito do conceito de totalidade, a homeopatia, bem como outras medicinas alternativas ou complementares, tem, como seu paradigma epistemológico e de prática terapêutica, a vida, a saúde e o equilíbrio. A centralidade dessas categorias está presente nas dimensões da terapêutica, da diagnose, da doutrina médica, da dinâmica vital e da própria morfologia humana. É uma racionalidade médica que adopta o vitalismo na abordagem dos processos de adoecimento e cura dos sujeitos, estabelecendo ou restabelecendo para a medicina o papel de promotora e recuperadora da saúde e de auxiliar de vida, acompanhando o discurso actual da promoção de saúde, associado à qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, entre outros (Luz, 2005; Buss, 2003).

As dificuldades em relação à acessibilidade, especialmente em relação à marcação de consultas, sobretudo da primeira, prevaleceram como aspecto negativo do serviço. Segundo Acúrcio e Guimarães (1996), acessibilidade seria a capacidade de obtenção de cuidados em saúde, quando necessário, de modo fácil e conveniente. O conceito de acesso está relacionado a três subcategorias denominadas: acesso geográfico, acesso económico e acesso funcional (Ramos, Lima, 2003; Unglert, 1994). O acesso geográfico foi caracterizado por forma e tempo de deslocamento e distância entre a residência do usuário e o serviço de saúde. O acesso económico, pelas facilidades e dificuldades que o usuário encontra para obter o atendimento, considerando que a totalidade dos serviços de saúde não está disponível a todos os cidadãos. O acesso funcional envolveria a entrada propriamente dita aos serviços de que o usuário necessita, incluindo-se os tipos de serviços oferecidos, os horários previstos e a qualidade do atendimento. No caso do CS Modelo, a marcação da primeira consulta está vinculada à Central de Marcação de Porto Alegre, e as consultas seguintes são remarcadas na unidade em dia do mês previamente estabelecido, gerando filas e longo tempo de espera.

A disponibilização de medicamentos de forma gratuita nas unidades do SUS foi considerada, pelos usuários entrevistados, componente importante de um atendimento integral à saúde. Em sua fala, a falta de medicamentos nas unidades é um aspecto negativo dos serviços públicos e foi referida como ponto positivo no serviço de atendimento homeopático - faz parte da unidade uma farmácia de manipulação que disponibiliza os medicamentos gratuitamente.

Um dos aspectos abordados pelos trabalhadores, quando indagados sobre a integralidade no atendimento, referiu-se às próprias condições de trabalho consideradas ruins. Deram, como exemplo, os prontuários do serviço que se encontram dispostos em arquivos pesados, dificultando o manuseio e ocasionando tendinites e outras doenças músculo-esqueléticas e o afastamento do trabalho.

Já no entendimento do gestor da unidade, os hospitais, por suas características e modo de funcionamento, são mais apropriados e aproximam-se mais do modelo de integralidade da atenção em saúde, pois faz parte da rotina hospitalar o trabalho interdisciplinar de equipe multi-profissional que actua em torno de um caso clínico. Para ele, os médicos em geral possuem uma tendência a trabalharem isolados, sem comunicação entre si e os demais profissionais e sectores, costumando resistir à unificação dos prontuários clínicos e troca de saberes.

(Entrevistado 10): O que é integralidade no atendimento? É uma pergunta difícil, porque nós médicos temos uma tendência a trabalharmos meio isolados; essa integralidade, pelo menos no posto de saúde, eu vejo ela muito difícil, eu até entendo ela no hospital.

Observa-se que o gestor aponta uma característica inerente à prática médica em ambientes não hospitalares, que seria a questão do isolamento e da dificuldade em estabelecer relações de troca, colocando naturalmente em foco a necessidade de discussão da graduação médica e de se repensar os cursos de formação e capacitação destes profissionais. Por outro lado, parece haver certa idealização do espaço hospitalar, ficando o tema da integralidade muitas vezes restrito à concepção de trabalho interdisciplinar e multi-profissional em torno da doença, desconsiderando a possibilidade desta dinâmica de trabalho multi-profissional e interdisciplinar em outros ambientes de atenção à saúde e, também, a importância de outras formas de cuidado e de reestruturação de processos de trabalho que possam contribuir para a integralidade da atenção, tais como: o acolhimento, a criação de redes matriciais, a implementação de formas de gestão participativa e outras estratégias de organização das práticas e do próprio sistema de saúde (Pinheiro, Luz, 2003; Campos, 1997; Mehry, 1997).

Pinheiro e Luz (2003) afirmam que as instituições de saúde assumem papel estratégico na absorção dos conhecimentos de novas formas de agir e produzir integralidade em saúde, na medida em que reúnem, no mesmo espaço, médicos, usuários e gestores com perspectivas diferentes e interesses distintos. O que se percebe no CS Modelo é que o mesmo reúne práticas de saúde com saberes diferenciados, mas que funcionam de maneira isolada, não interagindo entre si. Do mesmo modo, na unidade, não existem espaços colectivos que propiciem a interlocução entre os atores no quotidiano destas práticas. Esta questão foi apontada por uma das médicas, quando se referiu ao fato de, neste momento, não haver tempo e espaço nem mesmo para as discussões clínicas em homeopatia.

 

O acolhimento no CS Modelo

A temática do acolhimento nos serviços de saúde adquire importância crescente no campo médico-sanitário e, de acordo com Teixeira (2003, p.98), "vem requalificando a discussão a respeito do problema do acesso e da recepção dos usuários nos serviços de saúde", objectivando a qualificação e humanização das relações entre os serviços de saúde/trabalhadores com os usuários. O acolhimento, enquanto directriz operacional, pressupõe a atenção a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde e a reorganização do processo de trabalho, deslocando o eixo central do médico para uma equipe multi-profissional que se encarrega da escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu problema (Franco, Magalhães, 2003).

No CS Modelo não existe uma equipe de acolhimento, mas este tema já foi abordado com os trabalhadores de saúde na gestão anterior, durante reuniões específicas sobre o seu processo de implantação na unidade. De acordo com os profissionais, na prática, este modo de organizar o serviço não se efectivou até o momento.

(Entrevistado 4): O nosso Posto não está assim envolvido no sistema de acolhimento, o Posto todo não está envolvido.

No entanto, quando abordado especificamente sob o enfoque da consulta médica, do atendimento dispensado pelas médicas homeopatas que actuam no serviço, o "acolhimento" na unidade foi considerado muito bom por todos os entrevistados. O atendimento destes profissionais foi referido como sendo pautado pelo diálogo, afecto e atenção, corroborando Teixeira (2003), que se refere à necessidade de o acolhimento ter também um carácter de acolhimento moral do usuário do serviço e de suas demandas, que podem envolver um sofrimento importante. De acordo com o mesmo autor, o diálogo, neste caso, teria por objectivo buscar maior conhecimento das necessidades de que o usuário se faz portador e dos modos de satisfazê-las.

O gestor actual da unidade referiu que o termo acolhimento foi muito utilizado pela gestão anterior, mas que a implantação desse novo modo de organizar o serviço deixa muito a desejar na unidade. Segundo o entrevistado (gestor actual), para se ter um bom acolhimento, o CS Modelo teria de contar com local adequado e com profissionais capacitados para identificar e hierarquizar as demandas dos usuários, não as super-valorizando desnecessariamente, a fim de não ocasionar um aumento das mesmas e a dificuldade em atendê-las.

Ao se tratar do acolhimento ao usuário, a questão da acessibilidade voltou a ser apontada pelos entrevistados como um tema de extrema relevância. Voltaram à tona questões envolvendo o acesso geográfico e funcional. A centralização do atendimento homeopático pelo SUS no CS Modelo, o número insuficiente de médicos atendendo no serviço, as dificuldades já mencionadas para o agendamento de consultas, a sobrecarga ocasionada pelo atendimento usual de intercorrências e a demanda reprimida foram apontados como os principais motivos para que o serviço não consiga oferecer um acolhimento adequado, sobretudo, sob a perspectiva do acesso, recepção no serviço e solução das demandas. Observou-se, no entanto, que alguns dos problemas citados estavam relacionados também à existência de vínculos empregatícios diferenciados dos profissionais do serviço, repercutindo, inclusive, no cumprimento de carga horária.

Percebemos, por meio de observação direta que, em termos de instalações físicas, o serviço realmente não conta com local adequado para recepção e acolhimento dos usuários: os mesmos aguardam por suas consultas em bancos de madeira colocados no final de um corredor em frente à porta do consultório. No entanto, sabe-se que o acolhimento é um dispositivo que vai muito além da simples recepção do usuário e local adequado para atendimento, devendo ser considerada toda a situação de atenção a partir de sua entrada no sistema (Franco, 2003; Leite, Maia, Sena, 1999).

Chamou a atenção também que, para alguns dos entrevistados, foi estabelecida uma relação directa entre "ser bem atendido" e uma postura passiva por parte do usuário do sistema. O gestor considerou que o atendimento na unidade, dentro do possível, é bom, e que os usuários em geral são tranquilos e muito passivos, aceitando bem as dificuldades, reivindicando muito pouco os seus direitos, questão esta que aparece também na fala de uma das médicas e de uma usuária. Segundo Campos (1997, p.181), "a relação profissional/cliente é concebida como intercâmbio entre um sujeito potente - geralmente o médico - e um objecto suposto de ser dócil, activo apenas quando presta informações necessárias ao diagnóstico". O mesmo autor acrescenta que a própria denominação 'paciente', utilizada usualmente quando se faz referência ao doente, já revela, conceitualmente, uma situação em que o mesmo teria de suportar os sofrimentos sem queixa.

(Entrevistado 9): Eu vim sujeitada a ganhar um atendimento gratuito, gratuito, né, entre aspas porque alguém paga por esse atendimento, os funcionários não estão aqui sem receber, né?! Tu tem que te sujeitar a fazer sem questionar.

Sobre o sistema de referência e contra-referência e a resolução das demandas, segundo o gestor, há resolutividade na medida do possível, porque a unidade depende demais do sistema secundário e terciário no que se refere a consultas especializadas e à realização de exames de média e alta complexidade.

 

Vínculo e confiança: a relação médico/utente

A relação médico/utente, é um dos determinantes da resolução dos problemas de saúde, e a grande parte da efectividade médica resulta da satisfação das pessoas durante o processo de tratamento. Esta satisfação não se limita ao aspecto técnico-científico da medicina, mas inclui também a qualidade do vínculo, comunicação interpessoal e o modo como se estabelecem essas relações (Luz, 1997).

Ao abordarem este tema, as médicas iniciaram traçando o perfil dos usuários na tentativa de explicar o porquê da vinculação dos mesmos ao serviço. Na maioria são mulheres de meia - idade, um grande número de idosos e crianças, que geralmente pertencem a uma "classe média falida". Muitos são aposentados, professores, artistas, que residem no entorno da unidade, usualmente portadores de doenças crónicas, alguns extremamente sofridos, com muitas perdas e problemas emocionais, por estes motivos se vinculam com muita intensidade e são bastante assíduos. Foi referido que os idosos, em especial, estabelecem um vínculo muito bom com o serviço e que, geralmente, são pessoas amigas, carinhosas, pacientes e gratas aos profissionais.

De acordo com as entrevistas, o vínculo mais forte entre médicos e usuários se inicia a partir do momento em que os resultados terapêuticos positivos começam a aparecer, quando, então, o usuário passa a ter mais confiança e a compreender melhor a racionalidade da prática homeopática. A homeopatia está baseada na valorização do indivíduo enquanto totalidade, e não somente em sintomas e doenças específicas, centrando-se na terapêutica, e não na diagnose, e utilizando a narrativa como instrumento fundamental da consulta. Isto torna a relação médico/utente valorizada como recurso terapêutico que ajuda a compreender a singularidade do sujeito doente e curar ou aliviar o sofrimento (Lacerda, 2003).

De acordo com Luz (1997), a relação médico/paciente pode ser considerada um dos determinantes da resolubilidade dos problemas de saúde, grande parte do sucesso da prática médica resulta da satisfação do paciente em relação ao tratamento.

Foi colocado pelas médicas que o atendimento homeopático é diferenciado porque nele a escuta é muito valorizada, mesmo que, por meio dela, nem sempre seja possível resolver todos os problemas de saúde do usuário. Consideram que muitos dos insucessos de alguns tratamentos estão directamente relacionados à falta de tempo que o médico tem para ouvir seus pacientes, resultando num tratamento inadequado. Sabe-se que a relação médico/utente é permeada por tensões e conflitos que envolvem relações de poder e processos de subjectivização, independentemente da racionalidade em questão. Martins (2003) argumenta que podemos identificar inúmeros médicos alopatas que não se deixam seduzir pela rigidez do conhecimento canónico e desenvolvem uma escuta clínica e humana semelhante; do mesmo modo que é possível identificar terapeutas alternativos que, por trás do discurso renovador, demonstram ser utilitaristas e egoístas; chamando a atenção para o fato de que o tipo de relação estabelecida não depende da racionalidade médica em questão, estando esta sustentada num atendimento humanizado calcado no tripé encontros-afectos-conversas (Teixeira, 2005). Entretanto, não há como desconsiderar que a homeopatia, ao valorizar a escuta como procedimento essencial a sua prática, favorece o sucesso da relação terapêutica e, consequentemente, influi positivamente no tratamento.

Para os outros trabalhadores que actuam no serviço homeopático, o vínculo que se estabelece é muito forte; os usuários se apegam às médicas, chegam ao serviço e as procuram pelo nome, não aceitando serem atendidos por outro profissional. A satisfação do usuário parece estar directamente relacionada à qualidade do vínculo estabelecido. Na opinião da farmacêutica, este fato está associado à anamnése homeopática, que é bem mais detalhada, para possibilitar ao médico encontrar o medicamento do paciente. Na homeopatia, a individualização é muito relevante, por este motivo, Hahnemann (2001) ressaltou a necessidade de o médico observar e escutar os usuários sem julgamento ou interpretações, valorizando os sintomas subjectivos e objectivos narrados pelos mesmos. Para a farmacêutica, na medida em que vai se estabelecendo uma relação maior de vínculo e confiança, os usuários vão relatando, cada vez mais, seus problemas e sofrimentos.

(Entrevistado 7): É uma deusa, é uma deusa, a doutora A. é fora de série, filha. Ela tem tanto carinho com a gente velha, a gente chega, ela abraça a gente como seja da família, quando sai ela abraça a gente, ela diz "volta de novo".

Na fala dos usuários, as médicas são tidas como pessoas boas, alegres, carinhosas, que sabem ouvir e entender o paciente. Acrescentam ainda que conversam sobre tudo com elas, não somente sobre os problemas de saúde que os levaram ao serviço. Comparando o atendimento homeopático e o alopático, referiram-se ao tempo diferenciado da consulta, a impessoalidade dos médicos alopatas que trabalham no SUS e ao fato de eles se aterem somente às doenças.

Por outro lado, foi dito que o médico alopata examina e solicita mais exames complementares que o homeopata, questões identificadas como parâmetros de qualidade pelos usuários entrevistados. Na biomedicina, quando se pretende diagnosticar uma doença e tratá-la, são priorizados os sintomas objectivos e as alterações corporais diagnosticadas por meio de exames complementares muitas vezes sofisticados, em detrimento da abordagem de aspectos subjectivos do adoecer, que envolvem as queixas emocionais, os sentimentos e a singularidade do processo saúde-doença, não validados por alguns profissionais de saúde (Lacerda, 2003). Ao se objectivar a doença e nomeá-la, não se leva em consideração que a doença do médico não corresponde necessariamente à doença do paciente (Canguilhem, 2002), podendo gerar um desencontro entre os significados pessoais do adoecimento e a percepção médica e os resultados da acção terapêutica. Além disso, os recursos tecnológicos da medicina e o poder da mídia na divulgação e ideologização do público em geral sobre os avanços nesse campo e o consumo dessas novas tecnologias acabam repercutindo no imaginário e na percepção das necessidades de saúde por parte da população em geral (Castiel, 2007, 2003, 1999).

Para o gestor da unidade, a questão da relação médico/utente ser ou não pautada pelo vínculo e confiança está directamente ligada ao estilo do profissional, e não à racionalidade médica em questão. Importa a atenção que o médico dispensa durante a consulta e "esta coisa mágica" que faz com que o usuário confie num sujeito que nunca viu anteriormente. Coloca que uma boa relação médico/paciente não é muito fácil, sobretudo num sistema de saúde onde o profissional tem uma série de dificuldades para dar um bom atendimento, é desvalorizado e visto pelo usuário como sendo o próprio sistema.

 

Cuidado, cura e alívio do sofrimento

O cuidado seria mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo; representaria uma atitude interactiva de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afectivo para com o próximo. O cuidado seria apreendido como uma acção integral voltada para a compreensão da saúde como um direito de ser; seria a atenção ao sofrimento, frequentemente fruto de fragilidade social, com tratamento digno, acolhedor e respeitoso (Luz, 2004; Boff, 2000).

Quando abordamos o tema 'cuidado' optamos por fazê-lo sob os seguintes enfoques: cura ou alívio do sofrimento, atendimento às necessidades de saúde, e o fato de o usuário ser ou não assumido como um todo pelo serviço. O entendimento dos entrevistados sobre o tema foi muito associado à questão da resolubilidade, especialmente sob a perspectiva da cura e alívio de sintomas, observando-se uma hierarquização dos conceitos por parte dos entrevistados.

Não existiu consenso a respeito de a homeopatia curar ou somente aliviar o sofrimento. Uma profissional disse que nunca ouviu nenhum usuário referir-se ao fato de ter sido realmente curado pela homeopatia, mas concorda que alivia muito o sofrimento das pessoas. Os demais consideraram a existência de casos nos quais a homeopatia pode realmente curar e de outros em que somente traz o alívio - para as médicas, isto vai depender do problema de saúde.

A respeito do processo de cura na homeopatia, Constantine Hering, médico homeopata, discípulo de Hahnemann, que sistematizou as Leis de Cura homeopáticas, conhecidas por "Leis de Hering", a melhora dos sintomas ocorre de cima para baixo e desaparecem na ordem inversa de seu aparecimento; a melhora da enfermidade ocorre de dentro para fora, do mental para o físico, sendo que o alívio aparece primeiramente nos órgãos mais importantes, e os sintomas da pele e das mucosas são os últimos a desaparecer (Hering apud Eizayaga, 1981). Nos dias actuais, sabe-se que grande parte da demanda por atendimento médico envolve queixas relacionadas a sofrimentos físicos e psíquicos genéricos, inespecíficos, não contemplados e muito menos equacionados pelo arcabouço anátomo-patológico e clínico constituído pelo modelo biomédico, trazendo a categoria "alivio" à centralidade das práticas em saúde.

As médicas também relacionaram esses resultados ao pouco tempo que têm tido para fazerem o estudo aprofundado de cada paciente e para discussões clínicas - situação decorrente, segundo elas, do excesso de demanda e do número insuficiente de profissionais actuando no serviço neste momento. De acordo com Lacerda e Valla (2004), para que o profissional consiga identificar o sofrimento e ajudar os sujeitos, é necessário escutá-los para saber o que sentem e temem, objectivando validar o que é relatado pelos mesmos.

(Entrevistado 2): Ele pode se curar e às vezes só trás alívio, são as duas funções também. Precisa curar, se não der pra curar, alivia.

(Entrevistado 7): Cura, filha. Eu estava muito doente esses tempos e ela me receitou arnica e umas outras coisas e foi uma beleza, né.

Os profissionais de saúde acreditam que, no serviço, o usuário é assumido como um todo, mas relacionaram isto às características terapêuticas e à maneira como a medicação homeopática age no indivíduo. Já os usuários relataram que as médicas são afectuosas e têm uma preocupação com o bem-estar do paciente, e se sentem inteiramente assumidos pelo serviço, tal como afirma Machado et al. (2004, p.69) quando diz que "a procura pela homeopatia está associada à busca por uma 'humanização' do atendimento (associada pelos pacientes a termos como confraternização, carinho e amor)".

Para o gestor, os médicos, em geral, não curam, apenas aliviam o sofrimento de seus pacientes. Afirmou que hoje, na medicina, a maioria das doenças não tem cura, citando como exemplos: a hipertensão, a diabetes e as doenças reumatológicas.

Com base na observação, na análise de documentos e nas entrevistas, percebemos que há uma série de problemas que têm prejudicado o bom funcionamento do serviço, que vão desde a forma de agendamento e acolhimento dos usuários, a presença de diferentes vínculos de emprego, passando por dificuldades de aquisição de matéria-prima para a farmácia homeopática até falhas nos sistemas de referência e contra-referência.

 

Considerações finais

A organização do Sistema Único de Saúde brasileiro ainda tem como grande desafio o atendimento adequado às necessidades da população. A crítica ao modelo hegemónico de atenção baseado na biomedicina tem produzido análises pautadas em questões estruturais, de ordem política, social e económica (Campos, 1997; Mendes et al., 1994; Merhy, 1992). O aumento da demanda de atenção médica em decorrência de problemas de saúde abrangentes, que incluem aspectos psicossociais, do desequilíbrio da demanda/oferta dos serviços públicos de saúde e da baixa resolubilidade do modelo biomédico, faz com que seja necessário redefinir práticas de atenção, superando a visão cartesiana e reducionista e reorganizando os serviços.

Valla (2005) enfatiza que, nos dias actuais, mesmo com uma rede de saúde pública extensa, não tem sido possível atender a uma queixa usual das pessoas, denominada "sofrimento difuso" - dores de cabeça, dores no corpo, medo, ansiedade - sintomas para cujo tratamento o sistema não dispõe nem de tempo nem de recursos, restando à medicina tradicional medicalizar o problema. A oferta de atendimento homeopático pelo SUS traria às classes populares a oportunidade de uma atenção diferenciada, mais adequada na abordagem dos sofrimentos contemporâneos, e que concorre com os princípios de humanização e de resolubilidade dos serviços.

Observou-se que, no caso analisado, a promoção da integralidade da atenção à saúde tem sido restrita a alguns de seus aspectos, como o vínculo e o cuidado directamente associados à relação médico/utente. No entanto, o processo de trabalho foi pouco problematizado; pode-se dizer que o acolhimento no serviço inexiste e sua implantação não parece prioridade. Ao longo do tempo, ocorreu perda de profissionais e de espaço físico dentro da unidade de saúde, havendo o aumento da demanda reprimida. A acessibilidade foi uma das questões mais identificadas como problema, e a centralização deste tipo de atendimento em um único serviço na cidade é um dos factores que têm dificultado o acesso dos usuários. A própria gestão do serviço demonstrou clara falta de adesão, comprometimento e interesse em investir num modelo não biomédico, contrariando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (portaria MS n� 971/2006).

Embora a homeopatia seja uma racionalidade médica coerente e fortalecedora dos princípios do SUS, é preciso que ela seja reconhecida, valorizada e disponibilizada como opção terapêutica a toda população, contribuindo na promoção da integralidade em saúde.

 

Colaboradores

Os autores Carolina Santanna e Élida Hennington participaram, igualmente, da elaboração do artigo, de sua discussão e redação, e da revisão do texto. Roque Junges participou da revisão bibliográfica, de discussões e revisão do texto. Carolina Santanna desenvolveu as atividades de campo da pesquisa.

 

Referências

ACURCIO, E.A.; GUIMARÃES, M.D.C. Acessibilidade de indivíduos infectados pelo HIV aos serviços de saúde: uma revisão de literatura. Cad. Saúde Pública, v.12, suppl., p.233-42, 1996.         

 

 



 
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