O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa PDF Imprimir e-mail
18-Mar-2009
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O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa
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4. As Medicinas Alternativas, e a Actual Cultura em Saúde



O surgimento de novos modelos de cura e saúde, a partir da segunda metade do século XX, sobretudo com o movimento social urbano denominado contracultura, desencadeado nos anos 60 e prolongado durante os anos 70 nos Estados Unidos da América e na Europa, incluiu a importação de modelos e sistemas terapêuticos distintos daqueles da nossa racionalidade médica, e mesmo opostos a ela, numa atitude de rejeição cultural ao modelo estabelecido, em função das razões já apontadas.

Além da importação de antigos sistemas médicos, como a medicina tradicional chinesa e a ayurvédica, a reabilitação das medicinas populares ou folk do país (como as xamânicas ou as ligadas às religiões afro-indígenas) foi um evento histórico que atingiu o mundo ocidental, principalmente durante a década de 80, principalmente nos grandes centros urbanos.

Tal evento pode ser evidenciado pelos seguintes indícios, entre outros:

o grande desenvolvimento, nos centros urbanos, de farmácias e lojas de produtos naturais tradicionais ou recentes; o reaparecimento, em feiras populares urbanas, do "ervanário" (vendedor de plantas medicinais) como agente de cura, e aparecimento, na imprensa escrita e televisiva, de reportagens frequentes sobre os efeitos curativos de terapias ou práticas terapêuticas não-convencionais, denotando o aumento da procura das mesmas por um número significativo de pessoas.





Esse evento assinala também o boom das medicinas tradicionais complexas na sociedade ocidental, que passaram a ser denominadas de terapêuticas não convencionais ou medicinas "alternativas", e começaram a disputar espaços não apenas junto à clientela liberal ou privada, mas também nos serviços de saúde, demandando uma legitimação institucional até então não reconhecida ou concebida, e obtendo paulatinamente espaços de inserção na rede pública. É necessário, entretanto, que se olhe agora um pouco mais de perto para estas "medicinas alternativas", dada a sua grande diversidade interna.

Podem distinguir-se três grupos de "medicinas alternativas", todos com procura significativa por parte da população, de acordo com os diferentes países, em função de seu estádio de maior ou menor desenvolvimento urbano-industrial, e da sua história cultural:

  1. a medicina tradicional (quer europeia quer asiática) que, com mais precisão, se deveria escrever no plural devido à sua variedade, embora tenha um mesmo paradigma básico;

  2. a medicina de origem afro-americana, também plural, embora mais homogénea do que a primeira;

  3. as medicinas alternativas derivadas de sistemas médicos altamente complexos, recentemente introduzidas na cultura urbana dos países ocidentais.



Em primeiro lugar, deve ser salientada a mais antiga e persistente, apesar de todas as agressões culturais sofridas, que é a medicina de origem indígena, xamânica ou não-xamânica, nativa dos países que sofreram a colonização luso-espanhola. Tal medicina tradicional, também identificada como aborígene, primitiva, natural, não-formal, ou simplesmente medicina indígena, é realmente a expressão viva das culturas locais em muitos recantos dos continentes americano e africano.

A doença é gerada pela desarmonia entre os elementos fundamentais da vida, e restaurar a saúde, através da intervenção de xamãs, ou brujos, ou outros agentes de cura, é restabelecer a harmonia entre estes termos nos sujeitos, sempre vistos como um todo sócio-espiritual inserido na natureza.

Onde sobrevivem concepções "tradicionais" sobre a vida, a enfermidade e a morte, e onde se conservam saberes e práticas médicas autóctones que reconhecem tipos de "males" não equiparáveis às doenças ocidentais, existe um pensamento diferente, que se convencionou denominar de "mágico-religioso" em Antropologia clássica. Sob a etiqueta genérica de formas mágico-religiosas, os actos terapêuticos gerados no interior dos sistemas médicos indígenas têm sido habitualmente reduzidos a um estereótipo de tipo xamânico, quando este é apenas uma das facetas da racionalidade médica indígena. Em muitas das cosmovisões indígenas, o adoecimento é apenas um aspecto de uma categoria mais ampla, onde também se inclui a morte, o azar, os acidentes, o feitiço, o mau-olhado e outras desgraças.

Certamente que a própria natureza oferece os meios para o restabelecimento ou cura, através do recurso terapêutico que a cultura ocidental denominou fitoterapia.

As ervas, os minerais e não raramente os animais de cada região, fornecem as bases terapêuticas deste sistema de cura, não exclusivamente operado por xamãs. Os "erveiros" ou "ervanários" são também agentes de cura bastante importantes no sistema, assim como farmacêuticos populares, trabalhando em farmácias de ervas e produtos naturais. As "benzedeiras" e as parteiras são outros tantos agentes de cura contemporâneos que utilizam as formas de intervenção terapêutica derivada da tradição.

Nalguns países da América do Sul, como na Colômbia, na Bolívia, no Equador e no Brasil, embora praticamente restrita ao neoxamanismo, a magia atribuída a alguns dos agentes de cura tradicional é impressionante; o seu poder exerce-se sobre a vida e a morte, sobre a sorte e a má sorte e, evidentemente, sobre as invejas e as maledicências dos "forasteiros". A procura da medicina tradicional pelas populações pobres ou marginalizadas permanece, nestas regiões, um facto incontestável, e, em países como o Equador, 60 a 70% da população fazem uso dos recursos de tal medicina.

Em seguida à medicina tradicional indígena, há uma medicina em parte também originalmente xamânica, mas marcadamente mais religiosa que a primeira, relacionada com a população de origem africana, introduzida nos países da América do Sul e América Central através da escravidão praticada no continente pelos colonizadores europeus, basicamente a partir do século XVII e desenvolvida durante os séculos XVIII e XIX com o tráfico de escravos vindos do continente africano.

Esta medicina tradicional, ou mais exactamente, este sistema de cura complexo, que se enraizou fortemente na cultura das grandes fazendas e na dos centros urbanos por influência da força de trabalho escrava, também tem uma base terapêutica fortemente ancorada na fitoterapia. Entretanto, embora empregue a natureza como recurso básico de intervenção de cura, é inegavelmente mais espiritualista na sua abordagem dos fenómenos de adoecimento individual e em grupo, e o seu agente de cura mais importante é normalmente um sacerdote (ou sacerdotisa), através da figura do pai de santo ou mãe de santo, que opera terapeuticamente, intermediando entidades espirituais, divindades de diversas hierarquias, geralmente em rituais em que a possessão e o exorcismo podem ter um papel importante na cura.

Pertencendo a uma cultura de resistência, originária das culturas das tribos africanas, foi transmitida de geração a geração de um modo socialmente muito eficiente, tradicional, através do ensino iniciático e da filiação dos iniciados e devotos leigos a "casas" e linhas de espiritualidade ligadas a diversas divindades de origem africana.

Em geral, esta medicina alternativa encarrega-se do tratamento de "doenças espirituais" ou de origem espiritual (mau-olhado, feitiço, etc.), ou então daquelas doenças para as quais a medicina ocidental não oferece ainda perspectiva de cura, ou cujo tratamento é considerado como excessivamente invasivo, como o cancro, o HIV e várias doenças crónicas. Cobre, portanto, uma série enorme de doenças orgânicas e não-orgânicas, empregando como meios terapêuticos, além dos "passes" espirituais, a fitoterapia e a prática de uma homeopatia popular de tradição secular. Além disso, exige certas disposições, comportamentos e atitudes dos doentes "em tratamento", como dietas especiais, formas de sentir e de pensar que facilitem a cura, além de dádivas de preces e alimentos, ou doações materiais às divindades, no sentido de propiciar o restabelecimento do doente.

Finalmente, há um grupo de novas terapias designadas como "alternativas", "paralelas" ou "complementares" à biomedicina, introduzidas nos últimos vinte anos na cultura urbana dos países industrializados.

Geralmente, tratam-se de terapias derivadas de sistemas médicos complexos tradicionais que têm a sua própria racionalidade, como a medicina tradicional chinesa, a medicina ayurvédica ou ainda a homeopatia. Estas "medicinas alternativas" têm tido actualmente um grande crescimento, em termos de consumo, na sociedade contemporânea. São também aquelas que têm mais oportunidade, pela sua "tradutibilidade terapêutica", em termos de medicina ocidental, de se legitimarem frente à ciência e às instituições de saúde. São elas que têm sido o objecto do projecto "Racionalidades Médicas".

Além de incluir as grandes medicinas tradicionais do Oriente, como a medicina tradicional chinesa e a ayurvédica, geralmente reinterpretadas e reapropriadas culturalmente de acordo com os padrões ocidentais, incluem também reinterpretações da homeopatia e da fitoterapia populares, vistas como formas mais "naturais" de tratar as doenças, sem o "perigo" da iatrogenia da medicina convencional.

Actualmente, este grupo de "medicinas alternativas" é cada vez mais procurado por toda a gente, tendo-se difundido das mais civilizadas e cultas para as menos educadas formalmente.

Os três grupos de medicinas alternativas descritos acima têm actuado em interacção, competição ou complementação no meio cultural actual, que apresenta forte tendência ao sincretismo terapêutico, tanto do lado do doente, como do lado do terapeuta. Tendem, também, a um certo sincretismo institucional nos serviços de saúde, ditando a medicina ocidental científica a "função terapêutica" das medicinas ditas alternativas. Sob esta óptica, os sistemas médicos complexos tradicionais, que têm a sua racionalidade específica, tendem a ser "decompostos" em alguns dos seus elementos diagnósticos ou, sobretudo, terapêuticos, e a serem utilizados pelos doentes de acordo com um certo "bom senso" classificatório das suas demandas de cuidados e de tratamento de doenças.

Neste caso, não se leva em consideração a racionalidade própria destes sistemas, cujo paradigma é teoricamente centrado na terapêutica, empiricamente baseado na observação sistemática de doentes únicos, e terapeuticamente orientado para a escuta dos doentes, no sentido de estabelecer o seu diagnóstico, em geral considerado um processo individual de adoecimento ligado a padrões específicos classificáveis de desarmonia.

A questão que se coloca, em termos socioantropológicos e mesmo filosóficos, face a essas "medicinas alternativas", é a seguinte:

em que poderiam estas medicinas, muitas vezes milenares, inovar, ou tornar-se, face à nossa em constante evolução tecnológica, um "novo modelo", ou trazer para a saúde das populações, neste início de século e milénio, um "novo paradigma"? Poderiam efectivamente contribuir para superar, seja na diagnose, seja na terapêutica, uma medicina em revolução científica permanente? Em caso afirmativo, como e onde?




 
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