O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa PDF Imprimir e-mail
18-Mar-2009
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O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa
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6. A saúde e o mercado



Dois pontos de vista marcam as interpretações sobre as origens da medicina moderna.

O primeiro, representado pela corrente do inglês George Rosen, diz que a medicina moderna nasce, enquanto prática colectiva, nas instituições religiosas ou nos governos, e que, paulatinamente, a organização de clientelas privadas, com o advento do capitalismo, foi desmantelando a sua lógica e tornando-a uma acção individual voltada para um mercado de compra e venda de serviços.

Outro ponto de vista diz que a medicina nasceu a partir de uma relação privada e singular entre o médico e o doente, relação essa que se estabelecia numa esfera "normal" de compra e venda de serviços; mas uma série de pressões e exigências sociais acabaram por torná-la num bem público voltado para a colectividade (LUZ, 1999).

Na verdade, pode dizer-se que as duas visões são complementares. O carácter "social" da medicina pode ser observado desde a constituição dos Estados Absolutistas Europeus, quando se organiza uma política médica, quando se implementam medidas públicas de saneamento e são criados hospitais de atendimento universal, embora, na prática, voltados para indigentes e segmentos desfavorecidos da população (MARTINS, 2008).

Não só no Estado, mas também na sociedade civil, são encontradas evidências de que, desde as mais remotas origens, existem sistemas de atenção à saúde voltados para a colectividade. É o caso das instituições religiosas, que mantinham hospitais destinados ao atendimento geral, ou ainda das associações de socorros mútuos ou "mutualidades", que desde o tempo das corporações de ofício medievais se preocupavam em montar sistemas de auto financiamento dos cuidados de saúde para os seus filiados (MARTINS, 2008).

Mas, independentemente das formas colectivas de organização da atenção à saúde acima descritas, funda-se em paralelo uma prática médica voltada para aqueles que podem pagar.



Assim, surge o desenvolvimento de um "mercado privado de serviços de saúde", que tem como base de sustentação e qualificação crescente dos profissionais médicos a criação de uma demanda efectiva de serviços voltados para indivíduos ou famílias, baseada na ampliação das camadas médias da população e na exaltação da relação médico/doente, enquanto relação liberal, como a forma social e cientificamente mais eficaz de solução dos problemas de saúde (MARTINS, 2008).

O mais interessante desta história, consiste na alimentação mútua destas duas lógicas de organização dos sistemas de saúde desde a sua génese. Com efeito, o elo de ligação entre elas era o profissional de saúde que frequentava muitas vezes os serviços de atendimento geral ou colectivo, ocupando cargos como servidor do Estado desinteressado pelo vil metal, ao mesmo tempo que mantinha a sua clientela entre as famílias remediadas e abastadas das cidades como principal forma de remuneração.

Frequentava as corporações profissionais e científicas com os seus companheiros e mantinha vínculos com a universidade, o que lhe garantia o acesso às novas técnicas e procedimentos terapêuticos, bem como aos medicamentos e equipamentos mais modernos. O seu vínculo com o sector público aumentava o seu prestígio e realimentava a expansão do seu mercado individual, formando um incessante circuito "prestígio - dinheiro - prestígio".

Assim, diferentemente do que muitos médicos costumam pensar, ao lamuriarem-se da sua crescente condição de assalariado, a medicina enquanto profissão já nasceu marcada pela heteronomia, na medida em que sempre foi comum ao profissional de saúde trabalhar e manter vínculos simultâneos na esfera pública e na privada, mesmo que com posições ocupacionais distintas.

A mudança encontra-se no nascimento da empresa médica, fenómeno associado à chamada idade madura do capitalismo.

A empresa médica decorre do crescente grau de mercantilismo e de assalariado formal da economia; da redução do espaço do auto-consumo das famílias; da ampliação do espaço do capital monopolista no seio das sociedades industriais.

Logicamente que a empresa médica é mais marcante nas sociedades onde as formas colectivas de atenção pública à saúde não se desenvolveram no sentido universal, como é o caso das Health Maintenence Organizations (HMO) nos Estados Unidos. Mas de qualquer forma é nos contratos colectivos de "seguro-saúde" com as empresas e, em menor importância, com as famílias, que o mercado de serviços de saúde se expande.

O relacionamento básico da empresa médica com os médicos não é o do assalariamento clássico, mas sim o pagamento por unidade de serviço, diagnóstico ou procedimento. Com isto, a medicina moderna ampliou o próprio sentido da heteronomia do trabalho médico, ao criar vínculos que passam desde o assalariamento clássico no sector público até ao trabalho liberal no consultório, passando por uma relação de compra de actos médicos pela empresa médica.

Sob a óptica da demanda, a questão do mercado de serviços de saúde passa, obviamente, pela segmentação de clientes, especialmente nas situações onde os serviços públicos são caracterizados pela má qualidade.



Nestes casos, a diversidade de acesso aos serviços privados crescentemente mais qualificados por parte dos que podem pagar, representa graus diferenciados de acesso à melhor qualidade de vida, ou ainda, patamares estratificados de cidadania.

A modernidade trouxe outra consequência importante no plano da mercantilização: a chamada industrialização da saúde.

Até o século XIX, a divisão do trabalho médico não tinha sido suficiente para separar totalmente a confecção de remédios e equipamentos médicos da clínica. Neste sentido, o processo de trabalho médico determinava, em grande medida, a natureza dos equipamentos utilizados.

O desenvolvimento de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos em escala industrial trouxe, não só uma autonomia destes sectores frente ao trabalho médico, através do acesso ao mercado pelo marketing voltado para o auto-consumo, mas também colocou o próprio processo de trabalho médico subordinado às inovações no campo da indústria de equipamentos. Com isto, o mercado de serviços de saúde tornou-se adicionalmente um segmento do mercado destes produtos industriais.




 
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