O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa PDF Imprimir e-mail
18-Mar-2009
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O novo paradigma da Medicina – Medicina Integrativa
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8. A Saúde e a Ciência



Não há como separar a questão científica e tecnológica em Saúde, da representação social do processo saúde-doença, o qual passa por diversas formas no curso da história.



A ciência e a técnica estão presentes nas formas pelas quais a doença é percebida, medicamente investigada, isolada ou distribuída segundo os meios de cura disponíveis na sociedade.

No entanto, prevenir e curar, sempre foram duas lógicas distintas de abordagem da questão da saúde. Cada uma destas lógicas detém formas particulares de incorporação da ciência e do progresso técnico.

Comecemos pela instituição basilar destinada à cura na sociedade moderna: o hospital. Esta instituição, até antes do século XVIII, era um mero depositário de doentes pobres cujas perspectivas de cura não existiam. Os doentes recebiam apenas roupas e comida, mas nunca visitas médicas acompanhadas de observação. O hospital era não uma instituição de cura, mas um corredor entre a vida e a morte e o pessoal que trabalhava nos hospitais era geralmente composto por missionários e religiosos, cujo trabalho principal era preparar espiritualmente o doente para o "vida eterna". De acordo com FOUCAULT (1980), o hospital como instrumento terapêutico é uma invenção relativamente nova, que data do final do século XVIII.

A consciência de que o hospital pode e deve ser um instrumento destinado a curar, aparece claramente em torno de 1780 e é assinalada por uma nova prática: a visita e a observação sistemática dos hospitais.

A utilização do hospital como espaço para a cura ocorre em simultâneo à introdução de uma organização disciplinar nesta instituição, conjuntamente com a instauração de um "poder médico" no seu interior. A disciplina e a hierarquia "militar" no hospital permitiram aumentar o controlo, introduzir a vigilância dos doentes, bem como um registo contínuo de seu estado de saúde.

A introdução da disciplina permitiu transformar o hospital num meio para a investigação científica. É nele que começam a ser conhecidos os efeitos e consequências de determinadas terapias sobre algumas doenças.

A medicalização do hospital propiciou a análise aplicada ao estudo de fenómenos fisiológicos, em retorno aos escritos hipocráticos enquanto prova do interesse pelo estudo da clínica, a união da medicina com a cirurgia, a reorganização das escolas clínicas e a introdução dos estudos de anatomia patológica. É nos hospitais que os cadáveres vão ser dissecados, depois de um longo período de obscurantismo religioso que impedia o desenvolvimento da ciência.

O método científico utilizado em medicina, baseava-se na observação, seguindo a orientação hipocrática da medicina antiga. Da observação nasce a analogia. Era necessário realizar um conjunto quase interminável de observações e comparações até que fossem identificados os sintomas. Os sintomas eram hierarquizados e classificados segundo critérios determinados.

Assim, observação, analogia, identificação e classificação foram "os quatro pontos cardeais" da construção do conhecimento em medicina clínica. Esta metodologia permitiu, com o tempo, a utilização de equipamentos para a obtenção de exames. O exame (através de equipamentos de imagem, som, análise clínica de laboratório de partes e excrementos produzidos pelo corpo) permitiu estender a observação a pontos onde ela era inacessível a olho nu.





A medicina de cura também teve o seu desenvolvimento científico e tecnológico associado ao esforço individual de médicos e boticários empenhados em descobrir novos equipamentos, terapias e remédios, mas foi no hospital que a ciência médica encontrou o seu esboço de reprodução e o seu laboratório de testes.

Quanto à prevenção, os avanços iniciais ocorreram no campo da higiene. As medidas de saneamento dos portos, para efeitos de reduzir os riscos associados ao comércio internacional e a criação de infra-estruturas de água e esgoto nas cidades, conjuntamente com vigilância dos hábitos de higiene pelos governos, tiveram fortes efeitos na redução da mortalidade nas cidades.

Posteriormente, as descobertas no campo da imunização, associadas a Pasteur e às campanhas de vacinação e erradicação das grandes endemias, trouxeram êxitos ainda maiores. Pode-se dizer que na passagem do século XIX para o século XX, a medicina preventiva contribuiu muito mais do que a medicina curativa no prolongamento da vida média da humanidade.

Mesmo assim, a prevenção e a saúde pública sempre foram considerados os "ramos" pobres da medicina e as inovações neste campo, apesar de associadas aos estudos de imunologia e biologia, tiveram um ritmo mais lento do que o observado na medicina curativa e na produção de fármacos, equipamentos e medicamentos. Isto porque a circulação de recursos monetários em Saúde sempre esteve associada à medicina curativa e aos hospitais, às empresas médicas e indústrias e equipamentos médicos que têm trabalhado dinamicamente as suas inovações tecnológicas movidas pelo lucro.



Poucas são as pessoas que se dispõem a pagar por "prevenção" em Saúde.

Foi preciso que o Estado tomasse conta da questão e tornasse a vacinação obrigatória, para que a população ganhasse o hábito de se prevenir contra doenças evitáveis por imunização. Em virtude disto, são poucas as empresas que se têm dedicado à medicina preventiva.

A criação de conhecimento e a difusão científica e tecnológica em medicina preventiva tem sido, basicamente, papel do Estado e das Universidades.

Destacam-se ainda os avanços ocorridos na psiquiatria e na psicanálise.

Antes do século XVIII, a loucura não era encarada como um mal sistematicamente passível de internamento. Excluindo-se os casos onde o comportamento agressivo era frequente, os loucos conviviam com as suas famílias sem maiores problemas.

A terapêutica utilizada para combater a loucura consistia em criar elementos de realidade na vida dos loucos, o que passava por colocá-los em contacto com a natureza onde, na perspectiva da época, "a verdade imutável" estaria presente e, ao mesmo tempo, distante da vida artificial das cidades. Passeios, retiros, viagens em locais não urbanizados e aprazíveis eram sempre vistos com bons olhos pelos terapeutas da época. Esta forma de encarar a terapia da loucura influenciou a própria concepção arquitectónica dos hospícios, sendo comum terem janelas voltadas ou para campos e paisagens ou para pátios internos cheios de vegetação.

A prática sistemática de internamento dos loucos inicia-se no século XIX, quando começam a ser exigidos padrões socialmente mais rígidos de comportamento pelas normas sociais. Este endurecimento das normas de conduta coincide com a afluência às sociedades urbano-industriais, onde o espaço colectivo se agiganta frente ao espaço doméstico, em função da disciplina imposta pelas instituições de trabalho e pela convivência social determinada por regras e normas bem definidas pelo poder público.

O hospital psiquiátrico, que surge no século XIX, procura aplicar os mesmos métodos de construção do conhecimento e de cura utilizados pelos hospitais voltados para outros males. Todo um esforço é realizado na construção de quadros clínicos da loucura e na classificação dos distúrbios mentais. Mas, diferentemente das demais enfermidades, as doenças mentais não entram em processo de tratamento com a aceitação passiva dos seus portadores, tal como acontece com as demais doenças.

No hospital de clínica geral não há, aparentemente, confronto. Médicos, funcionários e pacientes parecem ter o objectivo comum de cura. Nos hospícios, a situação é bem distinta. Entre o médico e o paciente há, antes de tudo, uma estratégia de submissão do segundo ao primeiro, dado que nem sempre o paciente aceita a sua cura. Um conflito de poder estabelece-se e a dominação, quando alcançada, quase nunca se dá pelo consenso. Assim, o hospital psiquiátrico transforma-se também em "locus" de conflito e confronto, de vencedores e vencidos.

Em função da sua natureza, a terapêutica da loucura muitas vezes vai além do permitido pela dignidade humana. Dado que a denúncia de um louco não tem crédito no sistema de valores sociais, tudo é permitido de ser feito. Todos estes problemas fazem com que a psiquiatria e os hospícios tenham sido, desde cedo, instituições onde precocemente nascem movimentos críticos e alternativos.

A crítica feita pela anti-psiquiatria passa pela hipótese de que as instituições asilares e os métodos psiquiátricos provocam um acréscimo do quadro clínico da loucura. Passam, também, pelo facto de que, se o poder médico nas instituições tradicionais de saúde já é tido como excessivo, é nos hospitais psiquiátricos que se verifica o verdadeiro abuso do poder médico.

Com base nestas críticas surgem, desde o final do século XIX, algumas propostas de "despsiquiatrização", as quais passam pela supressão do poder médico, pelo controle de doentes mentais através de psicocirurgia ou da psiquiatria farmacológica ou ainda pelo retorno do paciente ao seio familiar.

Embora muitas destas propostas sejam contraditórias, pode-se dizer que o tratamento da loucura em hospitais psiquiátricos é, hoje em dia, um dos campos das ciências da saúde onde o conhecimento e a prática se encontram menos unitários ou ainda mais despedaçados.

As descobertas de Freud, com a psicanálise, trouxeram outros efeitos no campo da "despsiquiatrização". A psicanálise mostrou-se eficaz no tratamento não asilar de muitos distúrbios psíquicos, mas a sua principal contribuição foi efectivamente colocar ao acesso das pessoas as razões dos seus traumas e tensões do quotidiano.

Outro grande mérito da psicanálise foi o de proporcionar a possibilidade de "prevenção" de doenças mentais colocando as pessoas comuns, de certa forma, capacitadas a procurar um auxílio aceitável pela sociedade - o do analista - quando detectam angústias ou mudanças de comportamento.



Boa parte da leitura psicanalítica sobre as doenças mentais levava em conta que, apesar da possibilidade de existência de pré-disposições a determinadas doenças mentais (identificadas pela ascendência familiar), grande parte destas são adquiridas pela violência do quotidiano.

No entanto, estudos mais recentes no campo da genética têm identificado em certos cromossomas a predisposição a determinados tipos de doenças mentais.

A relação entre tecnologia e processo de trabalho em Saúde, tem-se dado de forma distinta do que vem ocorrendo em outros ramos de actividade. O progresso técnico foi entendido como meio de poupar força de trabalho. Em Saúde, no entanto, podemos identificar duas formas de actuação do progresso técnico:

a) nos meios de diagnóstico e terapia;

b) na cirurgia e na relação ambulatorial de atendimento médico



No primeiro caso, observa-se que o progresso técnico tem actuado no sentido convencional: o de economizar força de trabalho. A automação dos laboratórios de análises clínicas, através da criação de processos que permitem leitura, classificação e análise das amostras de sangue por computador, reduziu muito o emprego de laboratoristas nos últimos anos. O mesmo ocorre no sector de imagem, onde equipamentos mais modernos de raio-X têm eliminado mão-de-obra, tanto na operação do equipamento como na revelação da chapa.



O mesmo não se verifica no processo de trabalho médico, seja no ambulatório, seja na cirurgia. Os novos equipamentos utilizados para melhorar um determinado diagnóstico, como é o caso de tomógrafos computadorizados, não eliminam o médico e até criam um novo tipo de profissional para fazer funcionar este equipamento.

A tecnologia em Saúde só tem permitido a redução do emprego quando é aplicada em processos de trabalho de fluxo contínuo. O mesmo não ocorre quando a tecnologia se aplica em processos de fluxo descontínuo, como é o caso de consultas ou cirurgias, por exemplo.

Algumas evidências mais recentes mostram a existência de um espaço para substituir a força de trabalho em Saúde por capital, mediante a transformação de processos de trabalho de fluxo descontínuo para contínuo, como é o caso das cirurgias, ou até mesmo automatizando rotinas associadas a processos de trabalho e fluxo descontínuo (como consultas).

No campo da cirurgia, cabe mencionar que os meios modernos de diagnóstico a partir de tecnologias de imagem (tomógrafo, ultrassonógrafos, etc.) permitem obter pré-diagnósticos bem precisos no que tange a localização de tecidos ou órgãos a serem submetidos a intervenções cirúrgicas. Ao mesmo tempo, o processo de robotização já utilizado em muitos ramos de actividade, poderá permitir, num futuro não muito distante, acumular informações e dispor da leveza de movimentos necessários a realização de intervenções cirúrgicas.

No segundo caso, existem softwares desenvolvidos pela própria Organização Mundial da Saúde que permitem, com a entrada necessária de informações e resultados de exames (se necessário), fazer o diagnóstico e a prescrição de medicamentos para todos os tipos de doença existentes na Classificação Internacional de Doenças (CID).

Logicamente que o processo técnico em Saúde cria a necessidade de incorporar, a cada ano, uma imensa massa de informações para os Bancos de Dados assessorados por este software. A criação futura de meios mais baratos e condensados de armazenamento de grandes massas de informação permitirá colocar tal tecnologia à disposição não apenas de médicos, mas também de outras pessoas que não detenham necessariamente formação em Saúde.

Estes dois exemplos mostram que existem perspectivas, não apenas de uma redução, mas também de uma redefinição do trabalho médico a partir destes processos.

A tecnologia do "laser" e do ultra-som tem permitido eliminar intervenções cirúrgicas em determinados procedimentos. A tecnologia de materiais tem criado órgãos artificiais que permitem a substituição de partes do corpo humano, através de órteses e próteses. O desenvolvimento recente da micromecânica tem criado motores da espessura de um fio de cabelo, capazes de desobstruir artérias e evitar riscos de doenças cardiovasculares sem cirurgia, a partir de monitorização remota. A informática permite a criação de "pílulas inteligentes", capazes de medir in loco a condição de saúde e ministrar a quantidade certa de medicamento requisitada pelo organismo.

No campo da biotecnologia e da engenharia genética têm-se alcançado grandes progressos que poderão aumentar a importância da prevenção e individualizar a acção preventiva, munindo cada indivíduo com todas as informações necessárias sobre as suas predisposições (mapa genético) a determinadas doenças.

A tecnologia da prevenção tem avançado bastante. O advento das empresas médicas e a generalização seguro-saúde tem tornado atraente a utilização da prevenção como forma de evitar uma maior frequência de consultas e internamentos, os quais oneram os custos das empresas médicas que operam sob a forma de seguro. A prevenção permite não só reduzir os custos, como também tomar mais baratas as mensalidades e, portanto, mais competitivas as empresas médicas no mercado.

Apesar de todos esses pontos positivos, as novas tecnologias em Saúde trazem uma série de implicações negativas, cabendo destacar:

a) Custos crescentes - Estudos feitos por lan Gough demonstram que existem quatro elementos que têm aumentado os custos da atenção médica na modernidade: tecnologia, ampliação da cobertura populacional, envelhecimento da população e novas modalidades de atenção médica.

b) Menor Acessibilidade - Na medida em que a atenção médica se torna progressivamente mais cara, menor é a possibilidade de aceso dos segmentos desfavorecidos, especialmente nos países do terceiro mundo, o que traz desníveis sociais no próprio acesso a manutenção da vida;

c) Maior Controlo Individual - As novas descobertas no campo da engenharia genética permitirão seleccionar previamente os indivíduos de acordo com as suas aptidões e as suas tendências delimitadas no mapa genético. Ao mesmo tempo em que isto traz possibilidades para as empresas na selecção de pessoal, acarreta em grande perda da liberdade individual.



A questão científica e tecnológica em Saúde engloba também o estudo da chamada "medicina alternativa", a qual não é unitária, mas sim bastante fragmentada, envolvendo temas como a Homeopatia, a Acupunctura, a Naturopatia, a Fitoterapia, a Osteopatia, a Quiropraxia, entre outras. Apesar das práticas alternativas serem bastante antigas, elas crescem no seio das próprias sociedades capitalistas ao longo dos anos sessenta e setenta. O crescimento destas práticas não se prende apenas aos aspectos técnicos, mas também aos ideológicos. O facto de serem mais baratas, não estarem associadas a hegemonia hospitalar e não trazerem em grande parte os efeitos colaterais da medicina oficial, passaram a ser grandes os factores de atracção das camadas médias urbanas para estas práticas.

A elas associavam-se, também, aspectos que transmitiam maior afectividade no processo saúde-doença, distinguindo-as da frieza da relação médico-doente existente nas instituições ambulatórias e hospitalares.

No entanto, boa parte destas práticas passou a ser absorvida pelas sociedades de mercado, pela indústria e electrónica, fazendo com que até mesmo o rótulo de "alternativa" a elas associado seja questionável.

Outro ponto a destacar diz respeito à chamada "medicina simplificada" ou ainda à "atenção primária à saúde", que têm sido ventiladas por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde como a solução tecnológica para os males dos países do terceiro mundo.

Partindo da concepção de que estes países têm um quadro nosológico distinto do das nações desenvolvidas, os adeptos dessas estratégias propõem uma medicina sem sofisticação tecnológica, com forte conteúdo de prevenção e educação sanitária, baseada em agentes comunitários e médicos de miseráveis.

Como se sabe, estes países passaram nas duas últimas décadas por um intenso processo de urbanização. Apesar da grande participação das chamadas "doenças da pobreza", o perfil de morbi-mortalidade dos países do terceiro mundo apresenta hoje forte presença das chamadas doenças crónico degenerativas, como as cardiomiopatias, as neoplasias, os acidentes e as mortes violentas. Tudo isto fica agravado pela pobreza reinante.

Ao que tudo indica, portanto, a questão da ciência e da tecnologia em Saúde não pode ser discutida sem se pensar na equidade. A medicina simplificada não é a panaceia para todos os males dos países subdesenvolvidos.

A ênfase na sua utilização sem pensar na incorporação da tecnologia de ponta, poderá fazer com que os diferenciais entre os padrões de atenção à Saúde, do centro, e da periferia, se tornem mesmo intransponíveis.



Para podermos seguir uma estratégia que tenha como suporte uma realidade objectiva, debrucemo-nos sobre o PLANO NACIONAL DE SAÚDE do Governo de Portugal que traçou os caminhos a seguir para o período de 2004-2010.




 
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