Salvarmo-nos de nós próprios PDF Imprimir e-mail
22-Mar-2009
Aquecimento globalA problemática em torno dos temas ambientais e da energia assume cada vez mais um carácter transversal a todas as áreas da governação. O problema da água, das alterações climáticas, do esgotamento do petróleo, levantam mesmo questões sobre a viabilidade do modelo civilizacional de origem ocidental.

Contributo de José Sousa


É por isso que propostas sobre eficiência energética, pequenas alterações fiscais aqui e ali para des(incentivar) este ou aquele consumo/prática, não sendo de desprezar, não respondem aos desafios que enfrentamos e tenderão a acentuar-se.

O impacto da acção humana sobre a Natureza é tal que alguns já chamam à presente época histórica como a "Idade do Antropoceno". O Homem está a interferir com os equilíbrios naturais que permitiram o florescimento da Civilização. Essa interferência, que se reflecte nas Alterações Climáticas, mas não só, embora estas acentuem uma série de desequilíbrios que se vinham gerando autonomamente, como a crise da água, a desflorestação, a desertificação, etc., resulta também de um modelo económico, e filosófico/cultural até, que encarou a Natureza como um valor instrumental para uso da Humanidade. Os nossos estilos de vida, as nossas sociedades produtivistas estão a chegar ao limite. Já não se trata de salvarmos uma entidade chamada Planeta, algo que parece estar fora de nós, mas trata-se de nos salvarmos de nós próprios, sobretudo de salvarmos as gerações mais novas de um mundo desolador, infinitamente mais desolador do que aquele que conhecemos. Um mundo verdadeiramente precário!

Uma política ambiental - porventura temos que lhe chamar outra coisa - tem que ser parte integrante da política económica; da política externa e de cooperação para o desenvolvimento; da política de ciência, educação e cultura; do ordenamento do território; da agricultura; da política energética e até da habitação, etc..

Para o final deste ano (Dezembro) está programada uma conferência internacional sobre Alterações Climáticas para Copenhaga, Dinamarca. O objectivo desta conferência é chegar a um novo acordo internacional que substitua o Protocolo de Quioto e defina metas ambiciosas de combate à mudança do clima. Nos últimos meses, os alertas dos cientistas têm sido dramáticos. É voz corrente que será já impossível evitar um aquecimento médio de 2ºC a nível global. À partida pode parecer estranha tanta preocupação com um valor aparentemente tão baixo. Que são dois 2ºC a mais? Afinal a temperatura durante cada dia oscila muitíssimo mais do que isso. Mas a verdade é que 2º C de temperatura média global terá consequências catastróficas num mundo cada vez mais densamente povoado. Pense por exemplo na temperatura do corpo humano. 37.5º C significa febre e é apenas 0.5º C a mais em relação à temperatura normal, 39º C é já uma febre alta. Uma variação aparentemente baixa é suficiente para gerar um sério desequilíbrio no nosso organismo. O mesmo se passa com o clima, com a agravante que os efeitos podem tornar-se irreversíveis à escala da Civilização Humana. Mas o que é mais grave é que os cientistas afirmam ( uma declaração recente em Copenhaga apontou para a rapidez com que o IPCC - organização das Nações Unidas encarregue de avaliar o estado do conhecimento sobre esta matéria - foi ultrapassado pelos acontecimentos) que, a manter as actuais trajectórias de emissões de gases com efeito de estufa , é muito provável que não consigamos evitar uma subida de 4º C até ao final deste século e, a partir daí tudo é possível devido ao potencial desencadeamento de mecanismos que se auto-reforcem independentemente da acção humana posterior.

Num cenário destes, nenhuma pessoa razoável poderá pensar que o Mundo será pacífico onde quer que seja. É preciso ter presente que os problemas das Alterações Climáticas já estão a acontecer agora, e não afectam apenas os pobres em África. Estão a afectar duramente países desenvolvidos como a Austrália e o símbolo da globalização económica, a China. A globalização económica tende, aliás, a ter os dias contados com o agravamento da crise energético-ambiental.

Ontem, um jornal britânico citava o conselheiro científico do governo britânico alertando para a "tempestade perfeita" que projectava para cerca de 2030 (já amanhã, para o efeito), resultante do sincronismo de escassez de energia, alimentos e água exacerbadas de modo imprevisível pelas Alterações Climáticas.

São necessárias estratégias decisivas, e não meros aranjinhos, à escala nacional e internacional. Portugal deve aderir e pressionar para uma moratória que impeça a construção de novas centrais eléctricas a carvão (combustível fóssil mais gravoso em termos de emissão de CO2 - dióxido de carbono), desistindo daquelas que tenha eventualmente programadas.

Na política externa, deve defender uma transferência rápida e gratuita - sim, gratuita! - de tecnologia limpa para produção de energia para países como a Índia e a China de modo a envolvê-los nos próximos acordos de redução de emissões.

2º C significa que não teremos outro remédio senão a adaptação, ao mesmo tempo que temos que mobilizar todos os esforços para evitar pior . Essa adaptação será muito exigente. Nomeadamente, será exigente no ordenamento do território. Não podemos continuar a asfaltar e betonizar o país com mais auto-estradas e mais construção especulativa. Cada hectare de terra produtiva será valioso para a alimentação humana, não poderemos estar quase inteiramente dependentes dos mercados externos, porque eles estarão sob pressão crescente. Aqui, os efeitos do esgotamento progressivo do petróleo far-se-ão também sentir. Aquilo que até há pouco parecia ser um devaneio de uns quantos - alertando para o pico petrolífero, ou seja, o momento em que seria atingido o limite máximo de produção de petróleo, implicando daí em diante uma escassez e preços acentuadamente mais elevados - é já reconhecido pela Agência Internacional de Energia que inclusive apontou uma data: 2020. Ora, a nossa Civilização é também em grande medida fruto do petróleo. Este é utilizado para um sem fim de actividades desde as mais óbvias ligadas à nossa mobilidade como as ligadas à agricultura moderna (adubos, pesticidas) até à infinidade de objectos que usamos diariamente. É necessário muito tempo e planeamento para nos adaptarmos a uma alteração desta magnitude no nosso padrão de produção e consumo de energia. Este planeamento só o Estado tem capacidade para fazer. A crise ambiental e energética é o resultado de uma enorme falha do mercado que não soube antecipar os problemas que começamos agora a enfrentar.

Mas é também toda a estrutura da nossa actividade económica e a forma como a pensamos que tem que mudar. E daí a importância da cultura, da educação, das referências que são transmitidas pela publicidade. Trata-se de facto de uma tarefa gigantesca, mas que tem que ser assumida por um partido político responsável, que não pense apenas nas próximas eleições. Será também por essa credibilidade que será avaliado pelos eleitores.

Uma área importante sobre a concepção da actividade económica tem que ver com a sua medição, com as Contas Nacionais. Aqui também a acção tem que ser concertada a nível internacional. Não podemos continuar a contar como positivo para o PIB toda a destruição que infligimos ao Ambiente em nome do crescimento económico.

Os partidos políticos não podem desistir de uma intervenção pedagógica junto dos cidadãos. Não devem partir automaticamente do pressuposto de que as pessoas não aceitarão aquilo que é difícil. Têm é que ter capacidade e honestidade para fazer passar uma mensagem clara, propondo esforços que sejam justos e proporcionais, dando o exemplo.

A complexidade destes temas exige naturalmente muito mais, mas este é um humilde contributo para o debate.

 
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