Defender a qualidade de vida e o emprego PDF Imprimir e-mail
25-Mar-2009

Rita Calvário é assessora parlamentar do BE na área do ambienteVivemos duas crises mundiais que têm efeitos profundos no agravamento das condições de vida da larga maioria da população global. A crise económica / financeira e a crise ecológica têm uma origem comum e requerem respostas interligadas.

Contributo de Rita Calvário

 

A (ir)racionalidade das leis do mercado determinou opções de produção e formas de organização do aparelho produtivo em função da maximização do lucro. Estas opções foram centrais nos sistemas de distribuição e nos padrões de consumo actuais. A prioridade ao lucro dissociou a economia do cumprimento de funções sociais e ecológicas na definição do modelo de sociedade. A economia responde aos objectivos imediatos dos accionistas e não às necessidades reais das pessoas e ao bem comum de longo prazo. 

A exploração do trabalho e dos recursos naturais são as condições objectivas de sustentação deste modelo. Esta exploração faz-se directamente pela apropriação privada do valor do trabalho, maximizada pela desregulação dos direitos laborais e pela redução de salários, e pela sobre-exploração e contaminação dos recursos naturais colectivos. E faz-se indirectamente através da privatização dos serviços públicos e dos bens naturais públicos, colocando um preço (que incide sobre os salários) e impondo a escassez (por vezes irreversível) sobre aquilo que é essencial à vida e ao bem-estar das pessoas.

Como resultado acentuam-se as desigualdades sociais e a pobreza no mundo, mas também se ditam as regras pelo domínio dos recursos naturais. Enquanto uns poucos acumulam riqueza, uma grande maioria social é excluída do acesso às condições mais básicas de vida ou é atirada para o pesadelo belicista das guerras infinitas.

Assistimos a uma crise económica e financeira que resulta da sobreprodução de bens de consumo (apesar de uma larga parte da população estar excluída do acesso aos bens mais básicos à qualidade de vida) e do desvio do capital da produção (fruto do trabalho) para a especulação bolsista, e confrontamo-nos com uma crise ecológica global. Os seus custos sociais são enormes e exigem respostas imediatas.

Só a reestruturação da economia através do planeamento público poderá responder às necessidades sociais das pessoas e respeitar os equilíbrios ecológicos. Já não se trata apenas de superar a relação de forças capitalista, mas também de superar as próprias condições de produção do capitalismo. É preciso reconverter o sector produtivo para acabar com o desperdício e a produção de bens supérfluos, orientando-o para as tecnologias e bens renováveis, não poluentes e úteis à sociedade, ao mesmo tempo que se garante o direito ao trabalho. Igualmente, é preciso redistribuir o trabalho e o rendimento, reduzindo os horários e aumentando os salários para permitir às pessoas satisfazer necessidades básicas de consumo, esbatendo as disparidades sociais. Isto significa mudanças profundas nos mais diversos sectores e actividades.

Por exemplo, no sector da electricidade é preciso mudar o paradigma da produção centralizada e da expansão da oferta para apostar na gestão da procura, reduzindo o consumo e combatendo o desperdício, e na descentralização democrática da produção, dando prioridade à microgeração e às redes locais para aumentar a eficiência na utilização e a segurança do abastecimento. A aplicação de uma política responsável neste campo permitirá reduzir a factura energética do país (reduz a intensidade da economia e a dependência das importações) e dos agregados familiares (reduz o consumo de energia garantindo níveis de conforto), ao mesmo tempo que permite a criação de vastos empregos.

Algumas medidas concretas a aplicar de imediato poderão ser: obrigar as empresas fornecedoras de electricidade a cumprir metas de eficiência energética junto dos consumidores finais, sobretudo os residenciais, através da prestação de serviços de energia; introduzir incentivos para as empresas prestadoras de serviços de energia (ESCOS) com soluções que não imputem custos nos agregados domésticos; criar mecanismos de apoio às autarquias para o cumprimento de metas locais de eficiência energética e microgeração, como seja ao nível dos edifícios municipais e da reabilitação urbana, e a criação de empregos nestes domínios; proibir a construção de novas centrais a carvão na Europa e em Portugal (p.e., o governo prevê a entrada de novos 6 grupos até 2019); incluir uma moratória à construção das novas grandes barragens (12 até 2020) e dos novos grupos de centrais termoeléctricas (9 até 2019) até estar concluído um processo de avaliação estratégica que analise as alternativas de política energética tendo em conta opções de gestão da procura e implantação de renováveis com melhores resultados e menores impactes; criar mecanismos de apoio à reconversão ou instalação de indústrias para a produção de tecnologias renováveis, tendo como um dos critérios a criação de emprego estável; introduzir a gratuitidade na ligação à rede eléctrica dos sistemas de microgeração domésticos, suportada integralmente pelos lucros de quem tem essa responsabilidade. 

Por exemplo, no sector dos transportes deve ser dada prioridade ao nível do transporte de mercadorias à ferrovia (acompanhado de uma política económica que reduza a dependência das importações e, portanto, do transporte a longas distâncias) e no transporte de passageiros deve ser dada prioridade à ferrovia nos percursos de média e longa distância e aos transportes colectivos (e.g. eléctricos rápidos, metro) e modos suaves para a mobilidade urbana (acompanhado de uma política de ordenamento territorial e urbanístico que reduza as necessidades de movimentos pendulares). Algumas medidas concretas poderão ser: introduzir uma moratória à construção de novas auto-estradas até estar concluído um processo de avaliação que procure alternativas à rodovia; elaborar um plano de modernização e alargamento da rede ferroviária; medidas de apoio às autarquias e áreas metropolitanas para o planeamento e implementação de sistemas de transporte públicos e ampliar a todo o país o passe social; tendência à gratuitidade nos transportes públicos, avançado já para os desempregados e pessoas de baixos rendimentos; alterar o código da estrada para implementar direitos para os ciclistas e peões e criar redes partilhadas de bicicletas.

 
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