Mudar de rumo no Ensino Superior PDF Imprimir e-mail
30-Mar-2009
Rui Borges denuncia Um programa de políticas para a igualdade terá necessariamente que ter em conta o ensino superior como um serviço público essencial que permita o acesso de todos à ciência e à cultura mas também formar quadros para numa lógica de solidariedade combater as desigualdades e o atraso do país.

Contributo de Rui Borges  

Universidades-empresa

O ensino superior está a atravessar um profundo processo de mudança que se estende a uma escala europeia. Este processo de modernização assenta nos dogmas do neoliberalismo que pretende pôr as universidades ao serviço das empresas como uma fonte de inovações tecnológicas e produtivas. Por isso neste modelo o sucesso de uma universidade é medido pela sua capacidade de desenvolver investigação científica. Para optimizar esta capacidade o projecto neoliberal pretende a concentração de todos os recursos humanos e financeiros de investigação num pequeno grupo de universidades: as universidades de investigação intensiva ou orientadas para a investigação. Assistimos assim à criação de uma "primeira liga" das universidades. Estas universidades de primeira serão as universidades da elite; receberão avultados financiamentos públicos e privados; contratarão os melhores cientistas e recrutarão os melhores alunos (e certamente os mais ricos). A reforma move-se com o objectivo assumido de competir com o sistema de ensino superior dos Estados Unidos da América. Nesse país há mais de 4000 escolas de ensino superior mas apenas 280 têm programas de doutoramento. A mesma proporção aplicada às 14 universidades públicas portuguesas significaria toda a investigação concentrada em apenas uma universidade! A cópia deste modelo implica portanto uma profunda e radical alteração do modelo de universidade pública que tem sido dominante na Europa.

Têm sido três os instrumentos utilizados para a reforma das universidades:

A asfixia financeira das instituições por sucessivos cortes no financiamento pelo Orçamento de Estado e que leva a que cada ano que passa seja mais difícil às universidades garantir a estabilidade do seu funionamento.

Junta-se a isto o financiamento competitivo da investigação. Um mecanismo que possibilita a atribuição de fundos de forma diferenciada às diferentes universidades através de concursos para implementação de projectos de investigação. No nosso país está a dar os primeiros (mas firmes) passos. O orçamento de estado para 2008 prevê um aumento de 8.9 % para o ministério de Mariano Gago. O financiamento das universidades cresce 3%, o que com uma inflação prevista de 2.1% se reduz a 0.9% de crescimento real. O grosso do aumento do orçamento do ministério da ciência vai para a FCT, precisamente a instituição que financia, através de um processo competitivo, a investigação feita nas universidades portuguesas.

Por causa da esfixia financeira, as universidades terão de competir entre si para atrair investimento público ou privado para financiar as suas despesas. As instituições capazes de captar este dinheiro conseguirão comprar mais equipamento de laboratório, contratar pessoal extra para a investigação e melhorar as próprias condições de ensino, o que por sua vez as coloca numa posição mais favorável para obter futuros financiamentos. As universidades que ficarem para trás na corrida do financiamento ficarão relegadas à "segunda divisão", terão que despedir professores e contentar-se com ser escolas dedicadas exclusivamente ao ensino.

Por último, virar a universidade para o mundo dos negócios exigiu uma mudança profunda na sua estrutura de governo. Essa mudança foi imposta com a aprovação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), que diminuiu drasticamente a representatividade de professores, alunos e funcionários nos órgão de gestão ao mesmo tempo que abriu as portas a "personalidades de reconhecido mérito". Na nova democracia PSI20 Paulo Teixeira Pinto (ex-BCP), Rui Nabeiro (Delta Cafés), Américo Amorim, José Fernandes (Microsoft), Henrique Granadeiro (ex-PT), para mencionar apenas alguns nomes, encontram-se agora à frente dos destinos das universidades portuguesas.

Fábricas de mão-de-obra especializada

O projecto neoliberal não afecta apenas a investigação. Se a medida do sucesso é dada pela capacidade de produzir investigação o ensino passa a ser necessariamente secundarizado nas prioridades das escolas. Os alunos tornam-se uma fonte de financiamento através das propinas e uma oportunidade de negócio para os bancos através dos empréstimos. O processo de Bolonha já tinha dado o mote: a passagem pela universidade deixa de ser uma oportunidade de construção da "cultura integral do indivíduo" para ser apenas um passo no acesso à empregabilidade (que permitirá pagar o empréstimo). A lógica empresarial torna as universidades em lugares cada vez mais assépticos onde se tenta tutelar todos os aspectos da vida estudantil e a criatividade é asfixiada. Veja-se como nas licenciaturas (agora chamadas de 1º ciclo de estudos) se impõe a obrigatoriedade de frequentar disciplinas de Formação Social, Cultural e Ética de conteúdo duvidoso mas como é cada vez mais difícil conseguir uma sala para realizar uma reunião política.

Um programa de políticas para a igualdade terá necessariamente que ter em conta o ensino superior como um serviço público essencial que permita o acesso de todos à ciência e à cultura mas também formar quadros para numa lógica de solidariedade combater as desigualdades e o atraso do país, assim como dar resposta às graves crises causadas pelo capitalismo como as questões energética ou ambiental. É por isso necessário quebrar os mecanismos que introduziram nas universidades a lógica da competição empresarial:

- Alargamento da rede de ensino superior que permita ao país ultrapassar o atraso de formação que ainda nos separa da média europeia.

- Financiamento adequado ao funcionamento das universidades e institutos politécnicos.

- Gratuitidade da frequência do ensino superior.

- Fim dos empréstimos bancários e financiamento de um verdadeiro sistema de acção social que através de bolsas de estudo, residências e outros mecanismos permita o acesso de todos ao ensino superior.

- Estabilidade laboral para professores e investigadores com especial atenção para as universidades privadas.

- Fim do recurso aos bolseiros como mão-de-obra barata para suprir necessidades permanentes das instituições e combate à precariedade pela conversão das falsas bolsas em contratos de trabalho.

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