Políticas de igualdade para uma economia decente PDF Imprimir e-mail
01-Abr-2009
João Rodrigues   Gustavo Toshiaki

 João Rodrigues

 Gustavo Toshiaki

O desafio que está colocado à esquerda socialista, ao bloco de esquerda, é pesado. Trata-se de contribuir para fazer assentar as políticas públicas, em época de crise do modelo de desenvolvimento neoliberal, em três novos pilares que transformem o Estado em solução para os problemas com que estamos confrontados. Política de igualdade para uma economia decente é o nome desses três pilares alternativos.

Contributo de João Rodrigues e Gustavo Toshiaki  

Um dos traços mais marcantes da governação do Partidos Socialista tem sido a transformação do Estado num dos principais problemas da economia portuguesa. Tal opção tem reforçado a inserção internacional dependente, garantido a divergência económica com o resto da União Europeia e perpetuado níveis de desigualdade de rendimentos ímpares que só reforçam, num ciclo vicioso, todos os outros estrangulamentos socioeconómicos nacionais. Esta transformação do Estado assentou em três pilares essenciais, que a política socialista de alternativa no campo económico tem de demolir.

Em primeiro lugar, e todos os dados convergem nessa conclusão, assistimos, em simultâneo, a uma mudança de foco e a uma irresponsável quebra do investimento público, o que faz com que o Estado adicione crise à crise, desemprego ao desemprego, ao prescindir de uma das poucas alavancas disponíveis para contrariar as míopes forças de mercado. Através de ruinosas parecerias público-privadas e de privatizações, abertas ou encapotadas, o Estado tem contribuído para reforçar os traços rentistas e predadores dos grupos económicos privados nacionais, acentuando a sua especialização no sectores dos bens não-transaccionáveis, o que reforça os nossos problemas de competitividade externa e cria um pernicioso caldo político feito de opacas desorçamentações, de tráfico de influências, de corrupção e de subversão da lógica dos serviços públicos que deveriam ser de todos e para todos. A construção de auto-estradas, que em 2007 representava 5,5% do PIB é disto bom exemplo. 

Em segundo lugar, o Estado tem sido o esteio da financiarização da economia portuguesa feita de um regime fiscal de excepção para a especulação financeira, de apoios aos bancos com muito reduzidas contrapartidas e de aceitação passiva do sobreendividamento, da especulação fundiária e da escandalosa cultura de remuneração para os gestores de topo deste e de outros sectores. O crescimento do sector financeiro é também o outro lado das políticas de esvaziamento da provisão pública: por exemplo, ao atrofiamento da acção social escolar, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social pública correspondem, respectivamente, a promoção de empréstimos bancários aos estudantes do ensino superior, de seguros de saúde e de planos poupança reforma.

Em terceiro lugar, o Estado construiu um regime fiscal que não combate as desigualdades, que aumenta o peso dos impostos indirectos e que promove um regime de benefícios fiscais regressivo que favorece a especulação e a fuga de amplos grupos sociais dos serviços públicos, em especial nas áreas da saúde e da educação. 

O desafio que está colocado à esquerda socialista, ao bloco de esquerda, é pesado. Trata-se de contribuir para fazer assentar as políticas públicas, em época de crise do modelo de desenvolvimento neoliberal, em três novos pilares que transformem o Estado em solução para os problemas com que estamos confrontados. Política de igualdade para uma economia decente é o nome desses três pilares alternativos.

Em primeiro lugar, é imprescindível superar definitivamente o colete-de-forças criado pelo moribundo Pacto de Estabilidade e Crescimento através do aumento do investimento público, coordenado à escala europeia, para a criação de emprego nos sectores que dão resposta às amplas necessidades sociais por satisfazer, casos da educação, da saúde, dos transportes públicos ou das políticas de energia ambientalmente sustentáveis. Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar o atrofiamento da procura privada em contexto de crise, mas também deixarão um lastro de iniciativas ambiental e socialmente úteis e de difícil reversibilidade. 

Os investimentos na lógica das parcerias público-privadas têm de ser substituídos pela lógica da propriedade e do controlo públicos de infra-estruturas e de sectores fundamentais para a vida em comunidade. A experiência vem mostrando que a propriedade pública é a base dos serviços públicos orientados para a satisfação, em condições de igualdade, das necessidades de todos. Ao avançar com um plano de nacionalização do sector energético - Galp e EDP - a esquerda socialista sinaliza o seu compromisso com estes princípios. A água, as vias de comunicação, os transportes públicos, entre outros serviços públicos, têm de ser controladas por todos. Assim se poderá também reforçar os incentivos para que o sector privado se oriente para os sectores de bens transaccionáveis para exportação e deixe de parasitar a esfera pública. Nesta área é então urgente delinear uma política industrial de apoio e de protecção, capaz de viabilizar alterações estruturais de longo prazo.

Em segundo lugar, a actual crise assinala os limites das privatizações do sector bancário que dominaram a paisagem europeia desde os anos oitenta. Agora que é inegável o tratamento diferenciado deste sector face à restante economia - os bancos não podem ir à falência - teremos de regressar, em novos moldes, a uma maior presença pública neste sector através do reforço da CGD e da sua aposta no crédito ao sector produtivo e às iniciativas da economia social. Superar a perniciosa financeirização da economia portuguesa exige uma política de habitação adequada e uma política de combate à especulação fundiária. Esta última passa, por exemplo, pela apropriação pública das mais-valias geradas pela intervenção dos poderes públicos. Deve-se também, e de uma vez por todas, abandonar o discurso da insustentabilidade do sistema público de segurança social que empurrou milhões de portugueses para planos privados, principais impulsionadores da lógica especulativa míope que actualmente observamos. Neste contexto, é fundamental garantir, por exemplo, que a transferência de planos de poupança privados para os fundos de gestão pública seja isenta de qualquer tipo de comissão.

Finalmente, qualquer política de igualdade tem de assentar no redesenho do sistema fiscal, favorecendo o incremento da sua progressividade, e no apetrechamento da sua administração com todos os instrumentos disponíveis para combater a fraudelenta arrogância que o dinheiro adquire quando está concentrado. Eliminar unilateralmente a zona franca da Madeira e abolir o sigilo bancário, permitindo o acesso automático da administração a todas as contas, fazem parte de qualquer programa de urgência nesta área. Para além disso, a introdução de um imposto sobre as grandes fortunas e de um imposto sucessório acima dos quinhentos mil euros ou a criação de um novo escalão de IRS de 49% permitiriam começar o necessário processo de redução do IVA, interrompendo e revertendo o aumento da regressividade fiscal. Isto passaria também por acabar com o regime de excepção para a especulação financeira, tributando adequadamente todas as mais-valias bolsistas e limitando, por via fiscal, a escandalosa cultura de bónus e de indemnizações captados pelos gestores de topo à custa do trabalho de todos e o opaco e injusto regime de benefícios fiscais existente. Neste último campo, é preciso ter a coragem de eliminar integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas em educação, o mesmo se passando com as despesas privadas em saúde nas áreas em que haja oferta pública.

A interligação e interdependência das economias não justificam os péssimos resultados alcançados pela economia portuguesa. As opções de política económica, que geraram injustiça e ineficiência e que beneficiaram interesses particulares em detrimento do bem comum, têm de ser superadas.

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