Pelo desenvolvimento integrado dos territórios rurais PDF Imprimir e-mail
03-Abr-2009

Foto Domingos Xavier/FlickrO encerramento de Centros de Saúde, de maternidades ou escolas afectaram quase sempre as populações rurais – muitas delas já obrigadas a percorrer longas distâncias para ter acesso a serviços públicos indispensáveis. As medidas de “concentração” penalizam estas populações e favorecem a migração para os centros urbanos, num país já fortemente polarizado no litoral.

Contributo de Tiago Gillot e Rita Calvário

 


Portugal é dos países europeus com maior território rural: 85,4% corresponde a áreas rurais e 70% são zonas rurais com muito baixa densidade populacional. Nas últimas décadas muitas transformações ocorreram neste espaço. As condições de vida dos aglomerados rurais melhoraram consideravelmente e, a par do declínio da agricultura na economia, no emprego, na ocupação do território e nas perspectivas da população rural, emergiram novas procuras do rural como espaço de consumo e residência e novas dinâmicas associadas à dispersão espacial dos outros sectores da economia (indústria e serviços). No entanto, estas transformações não permitiram, em muitas zonas, consolidar as economias rurais locais nem superaram as carências e dificuldades de toda a população rural, persistindo situações de pobreza e exclusão ou agudizando-se o despovoamento e envelhecimento. É neste contexto que importa perceber como se devem situar as políticas públicas.

O desenvolvimento rural tem ainda de se centrar nas condições de vida de uma parte da população e no fortalecimento e diversificação das economias locais. Articular as zonas rurais com os sistemas urbanos, garantindo acessibilidades e a mobilidade da população, dispor de um nível satisfatório de serviços de interesse geral e equipamentos sociais, e valorizar os recursos e amenidades rurais são condições para responder às urgências destes territórios: criar emprego e assegurar a atractividade dos territórios, permitindo a fixação de população. Mas este é um processo que deve centrar-se nos recursos e capacidades locais, tanto dos que vivem e trabalham no rural como dos que aí se pretendem enraizar, articulando-os com a procura de investimentos exteriores.

Este contexto sublinha a necessidade de um novo pensamento e de novas políticas para os territórios rurais, que rompam com interesses antigos e outros mais recentes, mas também que, finalmente, coloquem na linha da frente o desenvolvimento e a qualidade de vida destas populações.

Os territórios rurais não podem ser uma reserva de interesses privados

No rural, pelas suas características – territoriais, sociais, ambientais, etc –, ganham espaço a especulação fundiária e a expressão de interesses privados. Estes territórios são, cada vez mais, palco de fortes investimentos. Mas a verdade é que, na maioria dos casos, estes investimentos são comandados “de fora”, impondo-se ao território e às pessoas que o habitam, garantindo incentivos do poder central e local, mas raras vezes tendo em conta o desenvolvimento dos territórios e das suas populações: a criação consistente de emprego, a sustentabilidade destes territórios ou os efeitos estruturais nas economias locais ficam quase sempre fora das contas dos interesses privados que guiam estas iniciativas e de quem as autoriza.

Um bom exemplo desta realidade é a crescente implantação de grandes projectos turísticos e com forte componente residencial, obedecendo à lógica de construção de grandes condomínios privados em zonas privilegiadas, retalhando e privando o livre acesso ao território. Construir novas zonas residenciais fora dos perímetros urbanos e sem as obrigações que assistem às operações urbanísticas, implica uma grande carga sobre o território, ambiente e a administração pública, pois representam uma ocupação residencial (que pode mesmo passar a habitação permanente) não planeada em termos de ordenamento e necessidades de equipamentos e serviços. Além disso, geralmente a articulação destes empreendimentos com as economias locais é mínima pois recorrem ao exterior em termos de materiais, serviços e mão-de-obra e, perante territórios mais apelativos para o negócio, os responsáveis facilmente se deslocalizam, deixando o peso nas autarquias locais.

Estes territórios reclamam políticas públicas e regras para licenciamento e apoio aos projectos que neles se querem implementar que tenham como condição essencial a avaliação dos impactes económicos, sociais e ambientais. Acabar com o regime dos PIN e PIN+, mas também repensar a escala dos investimentos e a sua sustentabilidade, garantido a defesa dos interesses das populações locais e a sua qualidade de vida, incentivando a sua participação nas decisões – através da aposta em mecanismos com a Agenda XXI Local – são condições mínimas para uma agenda que persegue o desenvolvimento destes territórios.

Assegurar a qualidade de vida e o acesso aos serviços públicos

O rural português representa, como já se disse, uma vasta fatia do território nacional. Embora, também por isso, sejam facilmente reconhecíveis realidades diversas, e sejam também nítidas as melhorias para as populações que as últimas décadas trouxeram – nomeadamente, depois de 1974 –, a verdade é que faltam equipamentos fundamentais e se coloca ainda hoje o desafio de garantir o acesso a serviços públicos em quantidade e qualidade.

Os últimos anos vieram até agravar esta situação. O encerramento de Centros de Saúde, de maternidades ou escolas afectaram quase sempre as populações rurais – muitas delas já obrigadas a percorrer longas distâncias para ter acesso a serviços públicos indispensáveis. As medidas de “concentração” penalizam estas populações e favorecem a migração para os centros urbanos, num país já fortemente polarizado no litoral.

No mesmo sentido, constata-se ainda a necessidade de garantir acessibilidades e condições de mobilidade da população e bens, através da melhoria das vias de comunicação e das TIC e dos serviços de transporte em meio rural. O recente desenvolvimento da rede rodoviária não encerra a questão da mobilidade, não só porque é preciso integrar as áreas mais desfavorecidas e com maior dispersão da população, mas também porque é preciso inverter o desinvestimento sistémico na ferrovia e o encerramento de linhas, e a debilidade da (escassa) rede de transportes públicos.

É hoje, portanto, ainda urgente afirmar a necessidade de garantir uma rede de infra-estruturas (abastecimento e saneamento de água, electricidade, resíduos, etc) e serviços públicos básicos (escolas, cuidados de saúde, transportes públicos, lares, etc) que responda às necessidades locais e integre estes territórios nos critérios modernos de cidadania, não esquecendo que os elevados índices de envelhecimento e pobreza que percorrem os territórios rurais exigem respostas específicas.

 
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