Inovação e Confiança , contributo de David Rodrigues
06-Mar-2009
David Rodrigues é professor universitário,  especialista nas questões de Educação EspecialTodos os processos de inovação são complexos e esta complexidade é ainda maior quando eles têm como palco a escola. Isto porque a escola tem na sua génese um conjunto de valores e práticas que mais a aproximam da reprodução, da homogenização e da preservação de conhecimentos e valores do que de uma efectiva inovação.  

Antonosky (1987) ao referir-se aos processos que implicam inovação afirmava que, para serem bem sucedidos devem ser desenvolvidos, antes de tudo, sob um clima de coerência. É esta coerência que desencadeia a confiança definida como a crença que os processos de inovação se desenrolam segundo um plano, que existem recursos suficientes para os realizar e que as finalidades da inovação são suficientemente motivantes para os seus actores.

Não podemos deixar de evocar estas referências quando analisamos os processos de inovação que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, procurou imprimir à Educação e à escola portuguesas. Por várias vezes responsáveis governativos justificaram alguns erros cometidos com a ideia que "é melhor fazer alguma coisa, mesmo incorrecta, que não fazer nada". Assim se desenvolveu uma retórica que não discutia os erros que se foram cometendo e que remeteu para a categoria de "imobilistas" e "reaccionárias" as pessoas que criticaram algumas destas medidas. E aqui encontramos um primeiro obstáculo à confiança: o monospezo e a desvalorização da crítica.

Com quem se faz a inovação? Contra quem se faz a inovação? A estas perguntas o ministério respondeu à primeira com "legislação" e à segunda "aos professores". Já muito foi falada a formidável audácia do Ministério da Educação (ME) ao afrontar todos os professores. Este desafio não tem a ver com coragem: primeiro porque o combate é desigual (cem mil professores na rua não valem 126 deputados na AR), segundo porque a coragem sem lucidez é só uma temeridade. Eis outro obstáculo à confiança: profissionais assim ignorados não podem ter motivação para a inovação.

O ME acabou por usar um modelo de engenharia social para guiar estas reformas: armado com um conjunto de ferramentas que considerava adequadas para consertar o sistema educativo, o ME usou-as como se tratasse de reparar uma máquina que não funcionava bem. Só que a educação é feita por pessoas e não por máquinas. E aqui, mais um obstáculo à confiança: o entendimento e a convicção para a mudança foram sumáriamente ignorados neste processo de inovação.

E assim chegamos a esta situação em que o ME procura desenvolver ideias "de esquerda", ideias "progressistas" e "de defesa da escola pública", não combatendo "a direita" e "os conservadores" mas combatendo todos os professores. Talvez achando que estas reformas seriam sim bem sucedidas se os desconfiados dos professores não existissem. Mas, mais paradoxal que esta ofensiva à totalidade dos professores são os métodos que são usados. Para promover reformas "de esquerda" suscita-se o carreirismo, aposta-se na exaustão dos contestatários, acarinham-se famílias de "afectos", faz-se uma bolha de silêncio sobre as crítica. Promover valores "de esquerda" com "métodos de direita"?

O campo da educação sempre foi conflitual e um palco de projectos de sociedade diferentes e por vezes antagónicos. Não devemos ter medo do contraditório. O contraditório não abala a confiança. O contraditório não conduz ao imobilismo.

E só com confiança podemos inovar a escola: uma confiança alicerçada no respeito, no debate, na honesta procura da verdade e na motivação para construir pontes para o futuro. Sem esta confiança e participação dos professores, as reformas parecem ser da responsabilidade de um "Ministério da Instrução Pública" e não de um "Ministério da Educação" preparado para conduzir ao futuro sociedades modernas, participativas e democráticas.

David Rodrigues é professor universitário, especialista nas questões de Educação Especial

{easycomments}