Para uma Europa de coragem
25-Mar-2009
Miguel Portas lidera a lista de candidatos do BE às próximas eleições europeiasAs principais propostas do bloco de esquerda para a União Europeia podem ser consultadas no compromisso eleitoral da lista para as europeias. O que agora vos proponho é uma reflexão sobre a importância das questões europeias para um programa de alternativa em Portugal.

Miguel Portas, Deputado no Parlamento Europeu

1. Precisamos da União para sair da crise com justiça social.
   
Até hoje, as políticas redistributivas de escala europeia têm assentado, principalmente, nas chamadas “políticas de coesão territorial”. Contudo, a eclosão da crise acentua as suas limitações porque ao crescimento das urgências e necessidades sociais não corresponde um aumento proporcional dos recursos para lhes responder.

Os países mais fragilizados pela crise – Portugal é um deles – precisam que a União se dote de um conjunto de novas políticas de natureza social que sejam complementares da acção dos Estados. A mais importante é a criação de um fundo europeu complementar para a Segurança Social. Os países com maior PIB per capita também têm interesse nesta proposta desde que o seu financiamento não prejudique os sistemas de protecção social de que usufruem. Com efeito, a médio prazo, é improvável que qualquer um deles possa assegurar a sua estabilidade sem uma componente redistributiva que ultrapasse as fronteiras nacionais.

Este fundo teria assim dois objectivos: por um lado, permitir aos sistemas de protecção mais fracos aproximarem-se dos que tomam por exemplo; por outro lado, introduzir um factor de solvabilidade do conjunto dos sistemas a médio prazo. Este fundo responde, pela esquerda, à estratégia que os Estados têm vindo a pôr em prática: trabalhar mais e receber menos a partir da primeira pensão.

A resposta da esquerda para a defesa dos sistemas de protecção social tem, assim uma dupla dimensão: internamente, assenta num novo modelo de financiamento; externamente, introduz um acelerador de convergência europeu dirigido prioritariamente aos mais necessitados, o que permite transferir para a dimensão comunitária as estratégias de complementaridade de rendimento que actualmente os governos estão a usar. Os sistemas nacionais de protecção ficariam, assim, mais livres para prosseguirem políticas ousadas de aproximação das pensões mínimas ao salário mínimo.

2. Precisamos da União para “mutualizar” a redistribuição dos novos recursos.

Até agora, Bruxelas tem-se recusado a encarar a questão dos recursos na dimensão que a crise exige. Essa é a opinião, entre muitos outros, de Paul Krugman. Por outro lado, coloca-se a questão da origem dos financiamentos e, finalmente, a sua afectação.

Primeiro, os montantes necessários: admitamos como razoável o cálculo do Nobel, que estima em 1/6 das necessidades, o que a Europa está a destinar ao combate ao relançamento económico.

 Segundo, as fontes: a União está impedida, pelo critério da unanimidade, de emitir dívida pública e a possível contracção de um empréstimo europeu nos mercados internacionais afigura-se mais do que problemática. Mesmo que esta vertente possa ser desbloqueada, ela tem um preço elevado sobre as gerações futuras. Deve-se, em consequência, ser prudente, até porque os governos não têm feito outra coisa senão transferir para o futuro a factura das injecções de dinheiro no sistema financeiro. O financiamento por emissão de dívida não dispensa uma política fiscal que seja, em si mesma, redistributiva. O encerramento dos offshores, a diminuição drástica da titularização especulativa em bolsa e a taxação de todas as operações que aí ocorram, em função da sua natureza, deve ser feita em escala europeia e não meramente nacional, sob pena de apenas se acentuarem as desigualdades de partida quando se mobilizam novos recursos de combate à crise. A par da regulação pública das bolsas através de uma agência europeia de notação, só a entrada da fiscalidade nos mercados financeiros permite mobilizar recursos sem castigar “os mesmos de sempre”.

Terceiro, o destino dos novos recursos: é ao capital financeiro que se deve ir buscar o “bolo” que financia as políticas sociais de dimensão europeia e mundial. A alocação deste recurso deve obedecer a uma lógica mutualista. Parte, destinar-se-ia aos programas de combate à pobreza e ajuda ao desenvolvimento em escala planetária; a outra parte ao fundo acima proposto.

 Nas decisões de gestão estratégica destes novos recursos devem participar, não apenas os governos e o Parlamento Europeu, mas também os comités económico e social (onde se encontram os parceiros sociais) e o das regiões, “desgovernamentalizando” estas aplicações.

3. Precisamos de um governo de esquerda que na Europa seja pró-activo sobre o essencial.

Antes de qualquer Tratado, a União e Portugal precisam de um contrato para a urgência social e económica. Um governo de esquerda deve procurar as alianças sociais e entre governos para a viragem que reconcilie o projecto europeu com as preocupações populares.

 Deste ponto de vista, revogar a legislação pontual que impede o governo económico da União e um orçamento ampliado, são prioridades sobre qualquer novo Tratado. Este, aliás, só vale a pena se libertar a União do colete-de-forças neo-liberal que a tem amarrado e a impede de combater a crise por via da justiça social.

 4. A dimensão mundial da crise exige respostas mundiais.

Contudo, a ausência ou insuficiência destas não pode nem deve paralisar os Estados que pretendam mudanças mais substantivas.

O pior que pode acontecer ao planeta é a inacção por falta de consenso.   

A União Europeia tem dimensão e recursos bastantes para encontrar aliados que, na ausência de acordos globais, avancem com medidas que os comprometam apenas a eles, enquanto pressionam os demais. Um país com um governo assim faria bem mais pela Europa do que a “falta de comparência” que a está a caracterizar. Um governo de esquerda deve ser assumidamente europeísta. Não pode nem deve é ser é ingénuo ou “bem comportado”.