Prioridades de Política Económica para um Tempo de Crise: Uma reflexão
16-Abr-2009

Carlos Santos Professor na Faculdade de Economia da Universidade Católica no PortoAs fragilidades da estrutura e das redes de apoio social têm sido postas à prova pelas especificidades dos tempos que correm. A crise veio desnudar um acumular de asneiras de política económica praticadas durante três décadas...

Contributo de Carlos Santos, professor na Faculdade de Economia da Universidade Católica no Porto

As fragilidades da estrutura e das redes de apoio social têm sido postas à prova pelas especificidades dos tempos que correm. A crise veio desnudar um acumular de asneiras de política económica praticadas durante três décadas, por influência da mitologia da mão invisível, que conduziu à desestruturação progressiva do fornecimento de bens públicos e de mérito, da estrutura fiscal e de redistribuição, da regulação dos mercados e do próprio sector empresarial do Estado.

Contributo de Carlos Santos

De um ponto de vista da intervenção política, esta é uma situação de emergência que obriga a propostas concretas que têm de obedecer aos nossos anseios e prioridades, enquanto esquerda moderna mas nunca envergonhada.

A prioridade ao nível da acção política tem de combinar a intervenção ao nível das redes de apoio social com a intervenção junto dos catalisadores da crise de forma a travar a sangria económica. Sobre o primeiro aspecto há que reconhecer como inválidos, na conjuntura, os mecanismos de obediência a um critério do défice orçamental. A retórica do comissário Almunia não é compatível com tempos de emergência. Assim, o aumento dos montantes e duração das transferências sociais para desempregados e famílias de rendimentos médios e baixos tem de ser uma prioridade. Da mesma forma que o investimento público deverá eleger como prioridade a exequibilidade das obras a curto prazo, para acorrer à chaga social do desemprego antes que a chaga se transforme num justificado motim. A criação de empregos no curto prazo exige relaxamento das lógicas assentes no carácter estruturante das grandes obras. Não se trata de afirmar que seja negligenciável a modernização, mas antes reconhecer que neste momento é importante privilegiar projectos prontos a arrancar.

A ditadura do pensamento germânico sobre os equilíbrios orçamentais corre o risco de fazer implodir socialmente a União. Como observava, na semana passada, Anatole Kaletsky, se os países da UE seguirem concertadamente uma determinada orientação de expansionismo orçamental, ainda para mais sendo a economia germânica dependente das exportações para os mercados europeus, terá de ceder inevitavelmente, ainda que de forma tácita a ideia dos pacotes de estímulos. A suspensão temporária, pelo menos, do PEC parece ser a opção política mais viável para evitar situações como a da Irlanda em que o socorro a sector financeiro em colapso levou o governo a uma tributação sem precedentes da classe média. Em Portugal é previsível que as ondas de choque financeiro se passem a fazer sentir com o aumento em termos reais da dívida das famílias, em função de um cenário deflacionista, e com o aumento do risco de contágio quando os grupos financeiros europeus forem atingidos por situações de default a leste. Como a realidade americana tem vindo a salientar, a nacionalização dos bancos em dificuldade acaba por ser a solução menos penosa socialmente, com a constituição dos chamados bad banks públicos. Se a Irlanda acabou de o fazer e se a Alemanha está próxima de constituir um, esta é uma opção política a considerar. Não para salvar um pequeno número de grandes fortunas em função de uma gestão bancária fraudulenta, mas para evitar o colapso de instituições que arrastem consigo o sistema financeiro português e os depósitos de pequenos aforradores.

O alargamento do papel do Estado compreende pelo menos mais três vertentes. A primeira passa pelo financiamento capaz do poder local para evitar o surgimento de pólos de desemprego por incapacidade das estruturas de poder do Estado em fazerem face aos seus compromissos, com o resultante encerramento de serviços públicos, e a degradação da qualidade de vida das populações. Este é também o tempo de resistir a manobras no sentido da chamada racionalização dos serviços, que frequentemente têm em vista uma redução de efectivos, que só agravaria a situação corrente. Em segundo lugar, o Estado tem de ser capaz de assumir uma regulação mais do que cosmética seja na concorrência, seja nos domínios bancários e financeiros. O nosso sistema prudencial deu provas recentes de fraqueza que urge combater. A introdução de novos produtos financeiros, bem como os já existentes, com fins meramente especulativos, fortemente alavancados e que aumentam o risco sistémico deve ser banida. A saúde bancária na Índia e na China devem muito a essa capacidade de não permitir aos bancos a entrada no jogo especulativo. Tenho advogado também a supremacia da regulação financeira de malha apertada com suspensão de circulação de capitais Finalmente e, em último lugar, é preciso um sistema tributário que favoreça um efectiva progressividade e que acabe de vez com a mitologia da discriminação positiva do IDE. Os exemplos da Irlanda, e do leste europeu, demonstram de modo cabal que os paradigmas de desenvolvimento assentes maciçamente nas exportações e nas facilidades ao capital estrangeiro potenciam os efeitos da crise. É igualmente preciso desmistificar os discursos que advogam que esta crise tem como saída possível a descida do IRC. É um argumento de oportunismo político, falso, e socialmente ineficaz.


Carlos Santos , professor na Faculdade de Economia da Universidade Católica no Porto, autor do livro "E agora, Obama?" e do blogue ovalordasideias.blogspot.com/

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